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Gastronomia sertaneja - Foto Eduardo Gazal

Produção e Consumo de Alimentos em Propriedades Rurais no Sertão de Pernambuco

Texto e fotos de Eduardo Gazal
Resumo de trabalho acadêmico realizado em 2015

Relato oral sobre as fazendas Varzinha e Santa Maria, entre os anos de 1935 a 1965

Em entrevistas concedidas por Thereza Soares da Silva, relatando fatos sobre a produção e consumo de alimentos em propriedades rurais no sertão pernambucano, o presente estudo registra um pouco da culinária sertaneja. Engloba aspectos culturais e econômicos, utilização de ingredientes e resgata algumas receitas. Mapeia também a produção doméstica de alimentos destinados à manutenção da vida humana e apresenta produtos alimentícios artesanais que geravam renda financeira às famílias.

O estudo teve inspiração literária a partir de relatos narrados por Luís da Câmara Cascudo em seu livro História da Alimentação no Brasil. A depoente conviveu com a realidade de propriedades rurais nas cidades de Sertânia e Afogados da Ingazeira, localizadas no Sertão de Pernambuco, entre os anos de 1935 e 1965. A partir deste cenário, podemos futuramente elaborar um estudo mais aprofundado, comparando a realidade da época retratada com os dias atuais.

INTRODUÇÃO

A preservação da memória, o registro de hábitos alimentares e produtos consumidos à época são os objetivos deste trabalho. Tem como base relatos prestados por Thereza Soares da Silva, que conviveu com a realidade de duas propriedades rurais entre os anos de 1935 e 1965. Nascida em 1928, no Estado da Paraíba, a depoente vivenciou por três décadas a realidade de fazendas situadas no sertão pernambucano.

A oralidade é fator preponderante deste estudo, preservando experiências reais vividas naquela época e naquele contexto.

O trabalho consegue identificar alimentos produzidos nas regiões estudadas, tanto em regime de abundância de água quanto nas épocas de contingência deste recurso natural. Também aborda hábitos alimentares, utensílios domésticos, fabricação de produtos alimentícios e mostra a diversidade e riqueza do sertão nordestino.

A literatura fala pouco sobre a região pesquisada. Existem poucos estudos e bibliografias referentes à temática, carência ainda maior quando o enfoque é a região específica deste trabalho. Como base bibliográfica, a obra que norteia este estudo é o livro História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo.

Trabalhos acadêmicos contribuíram para elucidar e fundamentar essa análise e também serviram para embasar questionamentos na fase de pesquisa e coleta de dados. A relevância deste trabalho está na necessidade de enriquecer, com informações precisas, estudantes e pesquisadores interessados na origem da gastronomia sertaneja de Pernambuco. Dentz, (2011), menciona em uma publicação acadêmica:

Estudos sobre gastronomia no meio acadêmico são recentes, e uma vez verificando-se o período, observa-se que os interesses se originam com o crescimento da oferta de cursos de bacharelado em Turismo, e de cursos para técnicos e tecnólogos em Gastronomia nas universidades e centros universitários do Brasil. (DENTZ, 2011)

COLETA DE DADOS

A metodologia utilizada para obter as informações necessárias à realização deste estudo foi a da entrevista padronizada, com roteiro previamente estabelecido de perguntas. Entre os meses de setembro de 2014 e março de 2015, ocorreram várias conversas com o objetivo de conseguir informações sobre a realidade vivida nas propriedades rurais.

As perguntas elaboradas foram as seguintes:
Qual o horário das refeições e o que era servido?
Quais animais destinados ao consumo humano eram criados nas propriedades?
Quais espécies vegetais eram cultivadas e se aplicavam à manutenção da vida dos moradores?
Quais alimentos eram comprados para abastecimento humano?

Durante as entrevistas obtive relatados importantes que complementavam as perguntas previamente elaboradas. Foram registrados com o objetivo de documentar hábitos e métodos de produção de alimentos daquela época e apresentados nos apêndices deste estudo.

RESULTADOS

Os depoimentos colhidos nas entrevistas foram o eixo principal para a coleta de dados deste estudo. São relatos que merecem ser preservados, devido à época que ocorreram e também a região do sertão nordestino que retratam.
A entrevistada é uma testemunha da história e o fato de conviver em nossos dias acrescenta a este estudo um fator relevante e de máxima importância para a documentação histórica da gastronomia.

Veremos a seguir as respostas obtidas através das entrevistas:

Em relação aos horários das refeições e o que era servido foi apurado que aproximadamente às cinco horas era servido o café da manhã. Geralmente composto de coalhada escorrida com nata e açúcar ou coalhada fresca com rapadura. Bolacha D’água, cuscuz com ovos, leite de vaca fervido e café preto, completavam a primeira refeição. Sobre a coalhada e sua importância ao sertanejo, menciona Cascudo (2007):

O leite coalhado é imemorial, saboreado na Grécia e Roma, apreciado pelos deuses olímpicos. Por toda a Ásia é conhecido, do sul, centro e norte, acidulado com essências aromáticas ou in natura, como se usa no Brasil inteiro. (CÂMARA CASCUDO, 2007, p. 27)

Em outra menção do autor versando sobre a coalhada temos este trecho:

Os caçadores árabes e asiáticos levavam-na em sacos de couro, como o sertanejo brasileiro a guarda para fazer o queijo. Era alimento refrescante e tonificador. (CÂMARA CASCUDO, 2007, p.27).

O almoço, servido aproximadamente às onze da manhã, principal refeição do dia, apresentava uma combinação de receitas e ingredientes que podemos resumir assim:

Entre os alimentos de origem vegetal, diariamente eram servidas as seguintes opções: feijão macassar acompanhado de arroz branco escorrido ou arroz de leite. Os tubérculos como a macaxeira, inhame ou batata doce, eram previamente cozidos como manda a tradição culinária nordestina. Alface e tomate cereja eram consumidos in natura, temperados com vinagre e sal.

A farinha de mandioca originava a farofa de raspa de tacho, que surgia da mistura com a borra que se formava nas assadeiras de queijo manteiga. Havia também a farofa d´água que era resultante da adição de manteiga de garrafa, cebola e cebolinha à farinha de mandioca.

O consumo de carnes era obrigação diária na composição do cardápio sertanejo.
As fazendas se destinavam ao pastoreio bovino. Porém, o consumo de carne bovina fresca ou verde como é chamada no Nordeste do Brasil não existia. A carne de sol era utilizada com muita frequência.
Os caprinos eram muito apreciados devido à facilidade de adaptação ao ambiente árido do Sertão. Receitas como o bode guisado e o bode assado eram comuns no dia a dia.
A criação de suínos era importante para a manutenção da vida humana, além de fornecer renda extra para o custeio das propriedades. Receitas como o porco guisado e porco assado eram costumeiras. Em dias de festa ou domingos aparecia o pernil assado ou a buchada de bode.
As aves eram consumidas em dias comuns e em ocasiões especiais. Galinha guisada era prato corriqueiro. Pato assado e perua recheada compunham o cardápio dos domingos.
Havia também receitas de frango capado e galo capão. Um cuidado especial era necessário para manter a qualidade destas aves. Aproximadamente três dias antes da sua utilização culinária, a aves eram retiradas do terreiro e confinadas em galinheiros. Alimentadas com milho apenas, passavam por um processo de purificação e só então eram consumidas.
Miúdos de galinha eram preparados em forma de guisados.

Na fazenda Varzinha encontrava-se um dos principais açudes da região. A pesca era praticada como atividade de lazer. Consequentemente os peixes capturados transformavam-se em excelentes quitutes para os domingos.
Sobre os peixes e os açudes, encontramos uma esclarecedora referência de Cascudo (2007), onde o hábito da pescaria, além de fornecer alimento muito apreciado, era motivo de encontro entre famílias e amigos:

Depois da construção dos açudes, 1918 em diante, em certa época do ano faziam pescarias, diurnas ou preferencialmente noturnas, quase uma festa. (CÂMARA CASCUDO, 2007, p. 665)

História da Alimentação no Brasil, Câmara Cascudo
História da Alimentação no Brasil, Câmara Cascudo

Antes das refeições, a cachaça era a bebida predileta, saboreada com gotas de limão.
Durante as refeições se bebia apenas água. Após o almoço sempre era servido o café preto.
As fazendas recebiam vinho da marca Tito Silva, provenientes da cidade de João Pessoa no Estado da Paraíba.
O único licor fabricado nas propriedades era feito a partir do café.

Aproximadamente às quinze horas havia a merenda ou lanche da tarde.
Bolos de milho e macaxeira eram os mais comuns. Pão-de-ló, bolo feito com farinha de trigo aparecia à mesa com menos frequência, mas era muito apreciado. Em seu livro a Saga do Açúcar, Quintas (2010) enaltece o Pão-de-ló.

O pão-de-ló é no Nordeste um clássico, como em Portugal continua sendo; nunca perdeu seu reinado, desde sempre esteve na hierarquia das melhores casas lusitanas.(QUINTAS, 2010, p.218)

Os bolos eram servidos acompanhados de queijo manteiga.
Banana da terra cozida e frutas in natura tinham presença obrigatória. Caju, goiaba, jaca, manga e graviola eram as mais consumidas. O doce de goiaba era o mais apreciado.
Não havia o costume de consumir sucos, porém o sumo da graviola era bebida conhecida. Café preto e leite de vaca completavam a merenda.

O jantar ou ceia noturna era servido por volta das dezoito horas. Cuscuz com leite e nata, macaxeira cozida com manteiga de garrafa eram corriqueiros. Coalhada escorrida com nata e açúcar era receita diária. As carnes de bode assado ou guisado eram as opções de proteínas para a noite. Os bolos de macaxeira ou de milho eram saboreados com fatias de queijo manteiga. Para beber café preto.

Por volta das vinte e uma horas, algum dos doces da merenda, acompanhados de abacaxi in natura, determinavam a derradeira etapa da alimentação diária.

Sobre o horário das refeições, escreve Cascudo (2007) em História da Alimentação do Brasil:

A divisão do tempo para alimentar-se provirá do estabelecimento regular da agricultura; a partida matinal, o regresso ao meio dia, e a recolhida nas primeiras horas noturnas.(CÂMARA CASCUDO, 2007).

Em resposta sobre o questionamento a respeito dos produtos produzidos nas fazendas, obtive os seguintes dados:
Alguns produtos eram manufaturados nas propriedades. O chouriço de porco na versão adocicada era um deles. A manteiga acondicionada em latões de vinte litros também contribuía com a arrecadação das propriedades.
As propriedades rurais descritas neste estudo eram produtivas e garantiam quase totalmente a provisão de alimentos para os proprietários, seus familiares e trabalhadores. A necessidade de aquisição de gêneros alimentícios era relativamente pequena.

Nos períodos de estiagem a ração diária e a variedade de alimentos sofriam restrições severas. Para conviver com a realidade sertaneja foram construídos silos de armazenagem para grãos de milho e feijão.
As construções demonstravam como as fazendas eram modernas para a sua época.

Sobre os depósitos para guardar grãos, Cascudo (2007) relatava no século passado:

Relativamente modernos são os silos armazenadores de grãos. Compram feitos, armando-os nos locais apropriados ou improvisam, com folha-de-flanders. São métodos de adaptação e não de tradição. (CÂMARA CASCUDO, 2007, p. 430)

Apenas a carne de sol era comprada nas feiras, os outros alimentos de origem animal eram oriundos das fazendas e abasteciam as casas dos proprietários e funcionários, garantindo o suprimento nutricional dos seus habitantes. Sobre a importância da carne de sol para o povo nordestino, menciono Recine e Radaelli em trabalho escrito como apoio à série TV Escola do Ministério da Saúde:

A carne de sol é alimento indispensável no Nordeste e parece ter tido origem no hábito indígena de assar a caça para conservá-la por algumas semanas. A industrialização da carne de sol, comum no Rio Grande do Norte e Ceará, teve início no final do século XVII (RECINE e RADAELLI, p. 23)

Entre os alimentos de origem vegetais consumidos, a necessidade de aquisição se resumia aos seguintes itens: farinhas de trigo e de mandioca, arroz e açúcar. Os grãos de café eram provenientes da cidade de Taquaritinga do Norte, no Agreste de Pernambuco. Vinham de propriedades pertencentes ao avô da entrevistada. A aguardente de cana de açúcar e o vinho eram adquiridos no comércio local. O abacaxi não se aclimatava na região do Sertão, mas era muito apreciado e consumido in natura, sendo comprado para o abastecimento dos residentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora a principal atividade mercantil das propriedades rurais fosse a criação de gado, identifiquei uma variedade maior de gêneros alimentícios produzidos nas fazendas em relação ao que imaginei no início da pesquisa.
Demonstra que a região quando abastecida de água ou em regime de chuvas, torna-se muito produtiva. A dieta é variada, possibilitando a elaboração de muitas receitas, garantindo a nutrição dos habitantes naqueles tempos.
As fazendas eram pensadas para produzir durante todo o ano, respeitando as sazonalidades das espécies vegetais em épocas úmidas e secas.

Comprava-se poucos alimentos em relação às necessidades diárias de suprimentos.
Durante as conversas com a depoente, várias informações foram prestadas, acrescentando ao trabalho um conteúdo bastante abrangente.

Espero que o presente estudo possa contribuir com questionamentos futuros e traga uma visão do que foi a alimentação naquela região. Acredito que, numa averiguação posterior em relação ao tema aqui abordado, seja possível um raciocínio mais aprofundado. Incluir a alimentação disponível aos empregados seria um bom tópico de investigação.

Podemos também comparar a realidade da época retratada com os dias atuais. Tal comparação deveria ser feita em estudos posteriores para identificar semelhanças e diferenças importantes. Descobrir se tradições foram mantidas ou o tempo se encarregou de aniquilar hábitos e costumes, seria um excelente ponto de partida para um questionamento a respeito da região estudada.


APÊNDICES

APÊNDICE A – Relatos de temas variados

Durante as entrevistas surgiram fatos que fugiam às perguntas previamente elaboradas. Porém, são pertinentes ao tema principal. Devem ser registrados, objetivando a preservação histórica.

Relato sobre a estrutura das propriedades:
As propriedades rurais estudadas apresentavam diferenças estruturais dignas de nota.
Na fazenda Varzinha, durante muitos anos, encontrava-se o maior açude da região.
Alguns equipamentos e utensílios de cozinha, considerados modernos para a época, foram implantados nesta propriedade.

O fogão inglês, forjado em metal, contrastava com os lendários fogões à lenha manufaturados em tijolo e barro.
Era o início da modernização da cozinha, recebendo utensílios fabricados em indústrias onde o ferro aparece como principal elemento estruturador.
A geladeira à querosene, considerada um item de avanço tecnológico, foi introduzida na Varzinha.
Os silos de flanders, para armazenamento de milho e feijão, eram exemplos de ações de vanguarda.
Nesta propriedade se instalou uma edificação para produção de derivados do leite.
Era chamada casa do queijo.
Foi edificada em local distante em relação à casa da família.
Os objetivos eram os seguintes:
Afastar os fortes odores da produção do queijo e aproveitar o soro do leite, que seguia através de encanamentos para enriquecer a ração alimentar servida aos suínos.

Relato sobre a louça inglesa:
Entre os presentes mais importantes para ofertar à dona da casa, estava o conjunto de peças de porcelana para café, almoço e jantar.
Anexei neste trabalho fotos de algumas peças da louça inglesa, que se mantém perfeitamente preservada.
Uma frase da depoente chama a atenção:
¨Para onde íamos, a louça ia também¨
Refere-se ao fato de acompanhar a família nas mudanças de uma propriedade para outra.

Gastronomia sertaneja - Foto Eduardo Gazal
Gastronomia sertaneja – Foto Eduardo Gazal

Relato sobre a produção de uvas no sertão nordestino:
Na fazenda Santa Maria foram introduzidas parreiras. A produção de uvas aparece em uma região onde seu cultivo seria pouco provável.
A depoente relata que era uma novidade para a época e recorda-se de colocar saquinhos de algodão, encobrindo os cachos ainda jovens, visando preservar a integridade e o crescimento sadio dos frutos.
A espécie cultivada era a uva verde de mesa.

Relato sobre a colheita da cana:
Os meses de setembro e outubro são marcados pela colheita da cana de açúcar.
Seu cultivo não era atividade de grande vulto, porém, bastava para refazer o estoque de rapadura.
Aproveitavam a moagem para sorver o caldo da cana como refresco.
A partir do melaço da cana aquecido poderia ser feito o alfenim, doce apreciado pelos jovens.
A sua feitura era dolorosa, o melaço quente era manipulado para dar forma aos docinhos.
A depoente declara:
“Ninguém queria fazer, era difícil aguentar o calor, dava calos nas mãos”

Relato que insere as propriedades dentro de um contexto ecológico evoluído para sua época:
Eram proibidas derrubadas de árvores como a quixaba e o umbuzeiro.
A caça de animais de grande porte não era permitida nas propriedades. O veado da caatinga era um exemplo.
A colheita de mel era feita na época de floradas das espécies vegetais nativas.
As abelhas são muito abundantes no ambiente sertanejo. Não havia a necessidade do confinamento das abelhas em caixas.
Para evitar que o gado fosse se multiplicando através das gerações, carregando a mesma informação genética, os touros reprodutores, eram trocados entre os fazendeiros da região.
Aproveitando a baixa das águas dos açudes, se intensificava a produção de vegetais. O solo úmido propiciava o plantio das hortas evitando a necessidade de irrigação.

Relato sobre a venda de goiabas para a fábrica denominada Peixe na cidade de Pesqueira:
Na fazenda Varzinha, o cultivo de goiabeiras era importante para a família.
A produção dos frutos possibilitava excelente renda.
As cargas de goiabas in natura tinham destino certo: a fábrica Peixe.
Durante muitos anos a fábrica foi responsável pela industrialização de doces e gerava empregos para habitantes da cidade e municípios vizinhos.


APÊNDICE B – Frases pronunciadas pela entrevistada

Algumas frases pronunciadas pela entrevistada durante as conversas:
. Água para matar a sede e depois café.
. Naquela época tudo era difícil, mas dava de tudo.
. Não havia macarrão, pão se comprava somente aos sábados, na feira.
. A batata doce era mais consumida que a macaxeira.
. Tempero de peixe é: sal, limão e cebola.
. A vida era muito sofrida, tinha época de feijão e milho. Isso porque papai guardava.
. Na moagem da cana o padre vinha rezar a missa.


APÊNDICE C – Receita

Chouriço Doce
Relatado por Thereza Soares da Silva

Modo de preparar:

O saber fazer deste doce, disputado entre irmãos até as últimas colheradas, é o objetivo deste relato.
As proporções dos ingredientes ficaram em cadernos de receitas perdidos pelos familiares da depoente.
Porém, para registrar o modo de preparo, recorremos à memória de Dona Thereza Soares.
Segue o passo a passo da preparação desta iguaria:
O doce é feito a partir da junção de rapadura derretida e sangue de porco. A gordura da barriga do suíno era adicionada aos poucos.
Era elaborado em tacho de cobre que repousava sobre as chamas de um fogão à lenha.
Os três elementos básicos recebiam cravo, canela e pimenta do reino.
O tempo de preparo se aproximava ao intervalo entre o café da manhã e o almoço.
Havia a necessidade de revezamento entre as mulheres em volta da preparação do doce.
A colher de pau de cerca de um metro era essencial.
O ponto ideal para a finalização do doce assemelhava-se ao do doce de goiaba em pasta.
Alcançando esse ponto, o doce finalmente podia ser armazenado em latas ou potes de vidro.


ANEXOS

ANEXOS – Receitas e Trechos de Livros

Receita de Bolo de Milho – Açúcar. p.103 – Gilberto Freyre
Escolhem-se 12 espigas de milho maduro: rala-se o milho e em seguida passa-se numa peneira de arame. Faz-se um angu da massa com o leite de 1 coco ( tirado com água ), 1 colher ( 50g ) de manteiga, um pouco de erva-doce e açúcar a gosto. Feito isto põe-se o angu numa caçarola e leva-se ao forno para cozinhar. Depois de cozido deixa-se esfriar na mesma caçarola. Quando estiver frio batem-se 4 ovos como para pão-de-ló e mistura-se ao angu. Em seguida põe-se o bolo numa fôrma untada com manteiga deitando-se por cima 1 colher de leite de coco puro. Leva-se ao forno quente para assar.

Receita de Doce de Goiaba em Calda – Açúcar. p.134 – Gilberto Freyre
Escolhem-se goiabas boas e maduras. Descascam-se. Parte-se cada uma ao meio com uma faca. Tira-se o miolo com o cabo de uma colher e metem-se então as goiabas dentro d’água e junta-se a calda. Leva-se ao fogo numa caçarola deixando-se cozinhar até que as goiabas fiquem macias. O ponto de calda pode ser de pasta ou fio brando, conforme o gosto.

Açúcar, Gilberto Freyre
Açúcar, Gilberto Freyre – Primeira Edição

Receita de Pão-de-Ló de Leite – Mini Culinária de Dona Zizi. p. 215
4 ovos
1 xícara (chá) de açúcar
1 xícara (chá) de leite quente
2 xícaras (chá) de farinha de trigo
1 colher (sopa) rasa de fermento em pó

Bata as claras em neve, junte as gemas e o açúcar aos poucos, sempre batendo. Adicione o leite e bata mais um pouco. Quando a massa estiver bem fofa, peneire por cima a farinha e o fermento, misturando levemente sem bater. Asse em assadeira número 3 untada e enfarinhada, em forno médio (175 graus) por cerca de 30 minutos. Rendimento: 25-30 pedaços.

Trecho do livro A Saga do Açúcar de Fátima Quintas que menciona o Pão de Ló – p.183
“SIRVA-SE DO PÃO DE LÓ QUE FOI ELA QUEM FEZ”
Um dos mais antigos bolos na história da doçaria e, certamente, o mais antigo em Portugal, foi o pão de ló, um clássico; também um dos primeiros trazido pelo português para o banquete brasileiro. Servido como sobremesa – que sobremesa! –, e igualmente ofertado aos convalescentes. Considerado o mais histórico dos bolos caseiros no que se refere à tradição.
Importante salientar: o pão de ló manteve-se europeu em ambiente tropical americano, sem adequação da receita, tal qual o original, genuíno na sua maneira de fazer – inadaptável à farinha de mandioca, fiel aos ingredientes de sua composição, ovos, farinha de trigo, açúcar; jamais declinou da sua majestade.

Receitas de Bolo de Macaxeira
Fátima Quintas – A Saga do Açúcar, p.276 e p.282

A Saga do Açúcar, Fátima Quintas
A Saga do Açúcar, Fátima Quintas

RECEITAS TRADICIONAIS PERNAMBUCANAS DE TECA DA COSTA PINTO

BOLO DE MACAXEIRA
1kg de macaxeira, descascada, lavada e ralada; 1 coco grande ralado; 4 ovos inteiros; 2 colheres de sopa de manteiga; 800g de açúcar refinado; 1 colher de café de sal.

Modo de preparar
Rale a macaxeira, rale ou raspe o coco fininho. Misture bastante. Bata os ovos inteiros,misturando sempre. Acrescente o sal. Com o açúcar faça uma calda com 2 xícaras de água. Quando a calda estiver em ponto grosso, sem deixar esfriar, apague o fogo e coloque a manteiga. Assim que a manteiga derreter, ainda com a calda quente, misture com a macaxeira, o coco, os ovos e o sal. Em seguida aos poucos, passe tudo no liquidificador para ficar como uma pasta grossa. Depois asse em fôrma funda, untada de manteiga e polvilhada de farinha de trigo. Forno quente por mais ou menos 1 hora.

BOLO DE MACAXEIRA (NÚMERO 2 – RECEITA ANTIGA E SECULAR)
1 xícara de manteiga; 2 xícaras de açúcar refinado; 3 ovos inteiros; 1 coco grande retirado o leite sem água; 1k de macaxeira ralada, espremida e peneirada; 1 colher de café de sal.

Modo de preparar
Bata a manteiga com o açúcar até ficar um creme leve. Depois coloque as gemas peneiradas. Bata bastante. Em seguida, acrescente a macaxeira que deve estar pronta, o leite de coco e, por último, as claras batidas em neve. Misture tudo e leve para assar em fôrma untada de manteiga e polvilhada de farinha de trigo. Forno quente por mais ou menos 1 hora. É uma delícia esse bolo do tempo das nossas avós. Hoje dificilmente se faz.

Trecho do livro Açúcar de Gilberto Freyre, 5.ed, p.60
Na fase de transição do doce feito em casa para o industrializado – continuando a ser regional e tradicional, em vez de imitado do estrangeiro –, fase que o Nordeste há anos atravessa, já tendo na indústria anglo-recifense dos biscoitos Pilar uma indústria pioneira, nesse setor, e outra, na goiabada Peixe, podem animar aos nordestinos exemplos de grandes triunfos como os que nos chegam da atual Espanha.

Artigo inicialmente publicado em: https://www.colunawebgourmet.com/