Categoria: Destaque do mês

Museu do Açúcar e Doce destaque do mês

Farófia, farofa ou para ampliar os entendimentos sobre os sabores

Sem dúvida, um dos processos culinários mais referentes e construtores de identidades alimentares do brasileiro está nas receitas das farofas. Farofas salgadas e doces.

Eu quero aqui, e agora, olhar para os preparos doces, geralmente complementares da panificação e da confeitaria, tendo no açúcar as suas mais diversas interpretações e tendências estéticas, onde há o seu protagonismo e uma referência que constrói receitas e identidades.

Nestes contextos, quero problematizar um preparo muito tradicional do mundo português, que tem a sua ampla e diversa doçaria portuguesa marcada pelo aproveitamento integral dos ingredientes, e que mostra que é antiga e tradicional a sua interpretação de sustentabilidade dentro dos seus hábitos alimentares. E é a partir de um ingrediente icônico, que é o ovo, um ingrediente verdadeiramente dominante, na diversa e rica doçaria portuguesa, nas muitas interpretações de receitas.

Destaque para o aproveitamento das claras, visto que há uma tendência marcante do uso das gemas na sua doçaria. Trago como exemplo notável a receita da farófia, cuja base são as claras de ovos batidas em neve, em castelo; além de açúcar e leite, e outros ingredientes que irão variar conforme as muitas assinaturas autorais.

Nas minhas etnografias em Portugal, perguntei por que o nome farófia, e as respostas foram imediatas e consensuais, é porque o doce é fofo. Assim, com esta indicação tão fundamental fiquei a questionar, porque é sempre muito bom questionar, ou relativizar certezas, de que a nossa tão consagrada farofa, nas suas versões mais tradicionais e comuns, a partir da farinha de mandioca, é também, sem dúvida, uma comida fofa.

Bem, fica então esta constatação da pesquisa de campo, insubstituível, fundamental, porque acompanha e retrata as mais profundas relações sociais, sempre simbolizados e encharcadas de memória e de identidade; e ainda de sabedoria tradicional.

Então, vamos rever algumas certezas sobre a possível e sempre questionável origem das comidas, no caso da nossa tão celebrada e querida farofa.

 

RAUL LODY

doce de banana de rodelinha - Museu do Açúcar e Doce

Doce de banana de rodelinha

Se há uma fruta tão nacional e com tantas formas de consumir em preparos doces e salgados é, sem dúvida, a banana. São diferentes bananas, em formatos, em cores, e certamente em sabores. São tão variadas, que fazem desta fruta uma preferência quase unânime na construção de uma identidade do paladar do brasileiro.

E assim, as bananas, muitas, constroem os nossos hábitos alimentares, e estão nas escolhas do que podemos chamar de preferências de sabores que também integram o nosso património alimentar.

Sobre a história da banana e sua difusão, ainda há muitos pontos de conflitos especialmente pelos especialistas em etnobotânica. Muitos atribuem a diáspora da banana no mundo a partir da espécie Musa paradisíaca, proveniente da Ásia, outros atribuem a difusão da banana num variado acervo de espécies de terroir americano, diria sul-americano.

A banana está nas mesas, nas bancas das feiras e dos mercados; e em muitos outros locais onde se pode ter acesso a este grande acervo alimentar que reúne tantas variedades desta fruta emblematicamente tropical.

Além do consumo in natura, eu creio que é o de maior ocorrência das bananas aparecem em diferentes interpretações doces, que mostram tendências e estilos regionais nas muitas receitas que buscam trazer o melhor sabor, e a melhor estética para cada doce, porque doce tem que ser bonito, para assim ser consumido na sua essencialidade.

Entre as muitas receitas de doce de banana que existem, quero destacar uma receita clássica, tradicional, e muito comum de ser encontrada nas casas nos restaurantes; e em muitos outros locais onde se pode viver a experiência dos doces. Refiro-me ao doce de banana de rodinhas ou o doce de banana de rodelinha, um preparo à base de banana, açúcar, cravo e canela; e, sem dúvida, com as melhores assinaturas das doceiras e dos doceiros que se dedicam a este ofício fundamental de adoçar não apenas a boca, mas de adoçar o corpo e o espírito.

RAUL LODY

Bolo Barroco - Museu do Açúcar e Doce (MAD)

O Bolo Barroco

Barroco é um estilo artístico que começa na Europa; e, em especial, na Itália, a partir do século XVI, e se estende por outros países, povos e culturas, inclusive nas colônias de Portugal, até chegar ao Brasil.

O auge do Barroco foi nos séculos XVII e XVIII, valoriza-se o luxo por meio do uso do douramento empregado em muitos elementos decorativos, e a religião volta-se a mais ampla e alegórica celebração da fé.

É o ouro que chega às igrejas, que chega aos palácios, às indumentárias. O douramento invade os hábitos e os costumes, sendo amplamente valorizado no trabalho de escultores, de joalheiros, de costureiros, entre outros ofícios que louvam a Deus.

Este estilo no Brasil é chamado de Barroco tardio, por ter se fixado especialmente nas igrejas nos séculos XVIII e início do XIX; chamado também de arte colonial.

O Barroco marcou imaginários perante a fé e tocou noutras manifestações, como nas técnicas artesanais que possibilitavam revelar os desenhos, os volumes, e nos materiais que pudessem traduzir este estilo nas casas, nas mobílias, nas roupas, na gastronomia, e, em especial, na doçaria.

Afirma-se que o Barroco está e compõe a nossa arte popular, especialmente no artesanato de rendas e bordados, nos entalhes sobre madeira de muitos escultores, na pintura; entre muitas outras formas de expressar luxo e riqueza por meio de elementos visuais. Este imaginário traz motivos recorrentes às igrejas coloniais, as roupas e aos objetos, que bem definem um estilo que revelava um novo conceito de morar e de se relacionar com o corpo.

Na confeitaria são muitos os exemplos de delícias doces que se apresentam barrocamente como nas joias e nos entalhes, e que mantém o imaginário do douramento do Barroco.

Na confeitaria, os bolos tradicionais, que são confeitados com glacê à base de açúcar, são verdadeiras expressões dos volumes dos entalhes e dos desenhos das suas volutas que se entendem como de estilo Barroco. Assim, mantidos na estética, e no conceito de beleza, o bolo guarda a identidade deste estilo que busca o imaginário da nobreza, e se pode dizer que muitos doces são verdadeiras joias barrocas feitas de açúcar.

Raul Lody

Doce ibéricos para o Natal - Museu do Açúcar e Doce

Docemente ibéricos para o Natal

Há um grande entendimento histórico sobre os doces relacionados às celebrações, pois o doce é também revelador de um processo culinário especial, que agrega uma valorização estética, uma produção autoral e/ou tradicional, e que atende diferentes calendários festivos.

E quando se aproximam as celebrações do Natal com um amplo ciclo de base cristã que culmina no dia dos Santos Reis Magos, em 6 de janeiro; e, assim, vivem-se cardápios memoriais e patrimoniais.

Sabemos que as receitas especiais para os cardápios das festas, neste nosso ambiente multicultural, são amplíssimas e têm como base a cozinha ibérica, e, em destaque, a cozinha portuguesa. Uma cozinha transcontinental que traz os sistemas alimentares, e muitos saberes culinários, do Ocidente e do Oriente.

Tudo isso está à mesa para marcar e revelar a doçura necessária nas manifestações das festas e da religiosidade. Dessa maneira, preserva-se memórias ancestrais e fundantes das muitas cozinhas regionais, e mesmo nacionais em âmbito brasileiro.

Além das tão celebradas rabanadas, fatias de parida ou fatias douradas, há muitos e diferentes bolos e tortas que seguem processos autorais, de criação e de expressão gastronómica regional.

Também para este rico acervo de doces, temos as roscas de reis ou o tão consagrado bolo-rei, que lembra uma coroa, remetendo-se as coroas dos três Reis Magos do Oriente. Um doce marcante nas cozinhas ibéricas, e crescentemente nas nossas celebrações de brasileiros.

Ainda, os filhóses, os coscorões, e outros “fritos” feitos à base de farinha de trigo e que podem ser recheados; que também estão nas nossas cozinhas, tão multiculturais e multiétnicas, destacadamente portuguesas. E nestes contextos dos fritos, quero trazer as azevias, verdadeiros pastéis recheados de doce de grão-de-bico, e por isso conhecidos como fritos de grãos. São muitos sabores, muitas referências, muitas memórias; e muitas criações doces para se viver a festa e a religiosidade à boca.

 

 

RAUL LODY

rapadura - MAD Museu do Açúcar e Doce

Rapadura: Um mercado historicamente global

O açúcar é um produto global que foi amplamente difundido a partir das Grandes Navegações de Portugal nos séculos XV e XVI. Inicialmente, este produto era uma especiaria ou pela sua raridade um presente oferecido como uma quase joia, e circulava exclusivamente pela realeza e pelo clero.

No âmbito da arqueologia da alimentação, sabe-se que há mais de 5000 anos na China, realizavam-se processos artesanais para obtenção do açúcar a partir do caldo da cana-de-açúcar. São registros que mostram o açúcar granulado, com características sólidas que, provavelmente, resultava da secagem ao sol, e seguia para o consumo.

A formatação do açúcar em tabletes, e em outros formatos retangulares, chamados de rapadura, começa a ser produzida em larga escala para alcançar um consumo cada vez mais ampliado; também, abastecer as muitas embarcações que aproximavam o Oriente do Ocidente, como as Grandes Navegações de Portugal.

Na Índia, consegue-se os principais processos da produção do açúcar, e seus muitos produtos, como o melado; e, destaque para diferentes tipos de rapadura. Estes processos tecnológicos, e seus equipamentos, da Índia para o fabrico do açúcar, constituem a base para os nossos engenhos de açúcar, numa verdadeira civilização, que é conhecida no Brasil como civilização do açúcar.

Ainda, há o valor nutricional da rapadura que inclui carboidratos, minerais tais como: potássio, cálcio, magnésio, fósforo, sódio, ferro, manganês, zinco e cobre; e as vitaminas: B1, B2, B5, B6, D2, E.

Assim, cada vez mais, associa-se a difusão e o consumo dos diferentes tipos de rapadura dentro de um entendimento de alimentação saudável, e que recupera importantes bases de sistemas alimentares tradicionais, e que marca uma expressão patrimonial.

 

 

 

RAUL LODY

vinho de caju - Museu do Açúcar e Doce

O doce vinho de caju

Há um olhar dominante para o vinho como uma bebida feita apenas a partir de diferentes tipos de castas de uvas. Contudo, ocorrem nas nossas tradições gastronómicas outros tipos de bebidas chamadas de vinhos, que são também feitos de frutas, porém muitas delas frutas de terroir brasileiro. E, entre elas, quero destacar o caju, essa fruta tropical da nossa Mata Atlântica.

Pastel de Nata - Museu do Açúcar e Doce, foto Jorge Sabino

Pastel de Nata: das tradições de Portugal para a mundialização nas confeitarias

O amplo consumo do pastel de nata fez com que esse bolo português passa a integrar diferentes rituais da alimentação mundial. O pastel de nata é servido para acompanhar um café, como uma sobremesa, como um presente afetivo, ou mesmo para cumprir aquele momento de gula e comer no balcão de uma confeitaria, seja um, dois ou mais pastéis de nata.

Pão Recife - Museu do Açúcar e Doce

Pão Recife

A Padaria é um dos campos mais expressivo, e diverso, da produção alimentar que faz parte de diferentes segmentos sociais, culturais e étnicos. E neste universo da padaria, há diferentes interpretações de receitas, formas criativas de expressar resultados culinários, e formas de manifestar identidade por meio de um produto comestível.

No caso da padaria popular e tradicional do Recife, há uma vasta produção que se afirma no ofício ancestral do padeiro, e que se une, em muitos casos, ao ofício do confeiteiro. Assim, pode-se encontrar nas padarias do Recife o pão-Recife certamente um atestado de singularidade e de afirmação de identidade alimentar.

Agrega-se ao pão Recife um conjunto de pães com nomes singulares, o pão carteira, o pão crioulo, o pão baiano, o pão bolachão, o pão francês, regionalmente conhecido por brasileirinho, o pão tabica, o pão de leite, o pão português; entre tantos, muitos, que são distinguidos pela estética e pelo sabor.

Sem dúvida, há uma grande correlação e conexão no ofício da nossa padaria com a padaria ibérica e, em especial, com uma padaria portuguesa, porque muitas das receitas, dos tipos de pães, e das características culinárias e alimentares estão relacionadas com as bases civilizadoras lusitanas.

Neste campo, integram-se também certos tipos de bolo como, por exemplo, o pão-de-ló, um alimento que está entre o pão e o bolo, as boleimas, os folares, as regueifas, as fogaças, os tabuacos, e outros casos que trazem receitas e sabores do que entendemos na padaria com tipos especiais de pães.

Ainda, pode-se agregar a estas bases etno culturais algumas referências e estilos de pães e da confeitaria com possíveis presenças holandesas, italianas; e alemães; em virtude da forte imigração para o Brasil de povos saxões. Assim, permanece muitas referências e formas identitárias de manifestar alteridade nas comidas.

O pão Recife de base de trigo branco, diria levemente adocicado por causa de um tipo de farofa feita de farinha de trigo, manteiga e açúcar, que recobre o pão. É um pão do cotidiano que está presente desde o café da manhã, no lanche da tarde, até noutros momentos em que o pão é uma excelente base alimentar, seja acrescido de manteiga, de queijo, ou de outros produtos que fazem o ideal e o entendimento da refeição.

Assim, a padaria traz muitas receitas de pães doces, com diferentes acréscimos como coco ralado, creme de ovos, goiabada, açúcar cristal, frutas cristalizadas, entre tantos outros ingredientes que se agregam as receitas feitas à base de farinha de trigo para expressarem regionalismos e identidade para as ofertas e os hábitos alimentares e, em especial, para o ato civilizatório de se comer pão.

 

 

RAUL LODY