Autor: MuseuAcuDoc

Foto Jorge Sabino

Acaçá de leite: Da receita africana à mesa baiana

O acaçá é uma comida feita a partir do milho branco que recebe diferentes interpretações culinárias; sendo também uma das comidas de maior significado religioso para as tradições do candomblé, e de outras tradições que expressam a religiosidade de matriz africana. Neste caso, o acaçá é geralmente chamado de ekó.

A receita tradicional do acaçá para os modelos culinários das culturas da África Ocidental, de onde chega esta comida para o Brasil, dá-se a partir do uso do milho branco demolhado por algumas horas, depois de retirada a água, e passado por um processo de transformação em massa.

Com esta massa faz-se uma espécie de mingau grosso que é depositado em porções, geralmente na quantidade de uma colher de pau comum, em pedaços de folha de bananeira, já passadas pelo fogo para adquirir flexibilidade; aí os acaçás são devidamente embrulhados artesanalmente num formato específico; então eles são colocados numa panela para serem cozidos.

Nesta receita não há nenhum tipo de condimento, nem mesmo o uso do sal, porque este acaçá será um acompanhamento para comidas muito condimentadas como, por exemplo, no caso da cozinha afro-diaspórica, acompanha-se com o caruru de quiabo ou o vatapá, entre outros.

Também, este acaçá ou o ekó, integra-se a cozinha sagrada dos terreiros de candomblé, sendo uma das mais tradicionais comidas de matriz africana. Inicialmente, uma das muitas variações gastronômicas do acaçá é o acaçá doce, onde se acrescenta o açúcar na massa. Há o acaçá de leite que recebe leite de gado vacum ou leite de coco e açúcar.

Ainda, o acaçá de leite integra um cardápio da cozinha baiana chamado de “Ceia Baiana”, onde se serve pamonha de carimã, pamonha de milho, mugunzá, bolos, entre outros.

Sem dúvida, o acaçá é uma das comidas mais marcantes da gastronomia afro-diaspórica.

RAUL LODY

MAD (Museu do Açúcar e Doce) - foto Eduardo Gazal

Doces Europeus

Fotos – Eduardo Gazal
Texto – Maria Gazal (Cineasta)

 

Os doces europeus, que foram incorporados à doçaria brasileira ao longo dos séculos, fazem parte de uma rica tradição gastronômica que se mesclou e incorporou ingredientes.

Presentes em diversos contextos na Europa, desde aeroportos até restaurantes e eventos sociais, essas iguarias são verdadeiras primazias apreciadas por todos.

A travessia do Atlântico não parece mais uma tarefa difícil, porém a história dessas delícias é formada por uma longa jornada de experiências que revolucionaram o paladar local e mundial.

 

 

 

 

 

Pixaim, um bolinho de beira de praia

Pixaim, um bolinho de beira de praia

Texto e foto: Josué Francisco da Silva Júnior

 

O bolinho de pixaim é uma iguaria ainda presente em alguns estados do Nordeste — Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, pelo menos — e que mantém um ar de comida de praia, por conta da sua origem, que se perdeu no tempo, e de um ingrediente marcante na sua composição, o coco. Parece que nasceu no litoral e daí espalhou-se pelo interior. Lembro de comer em Garanhuns, no Agreste, ainda criança, e minha mãe já comprava antes, mas lá tinha o nome de “cocorote”.

Sem dúvida, os bolinhos de pixaim trazem a assinatura primordial africana e até hoje os mais afamados e com modo de fazer peculiar são confeccionados no povoado quilombola de São Lourenço, a histórica vila nascida em torno da antiga igreja de traços simples do século XVI, localizada no município de Goiana, litoral de Pernambuco. Na sua vizinhança, estão a heroica Tejucupapo das mulheres guerreiras e a vila praieira de Carne de Vaca, um dos berços do brinquedo Pretinhas do Congo, também de ascendência africana.

Os ingredientes do saboroso bolinho basicamente consistem de farinha de trigo — variantes usam massa puba ou de mandioca, como antigamente —, coco fresco ralado, açúcar, ovo e uma pitada de sal. A manteiga, pelo preço elevado, tem sido substituída pela margarina e cada pessoa tem um jeito de fazer. Uma ou outra receita usa também água e fermento, mas é incomum. A massa é mexida com as mãos para dar a consistência firme ideal e que não pode ser mole como na maioria dos bolos. Assado em um tabuleiro no forno a lenha — uma unanimidade para o sucesso da receita — resulta na sua crocância por fora e maciez por dentro. É lanche de padaria, de bodega, vendido nas ruas, em barracas e nas feiras.

Esses pixains da foto que ilustra o artigo são da venda de Gilmar, na rua da Matriz, feitos por sua tia, em São Lourenço de Tejucupapo, município de Goiana, Pernambuco.

 

Savarin, uma doce-homenagem em um doce-homenagem

Savarin, uma doce-homenagem em um doce-homenagem

Um doce que traz maneiras doces de homenagear o tão consagrado estudioso, verdadeiramente um filósofo, fundador dos conceitos que orientam até hoje o entendimento histórico do que é a gastronomia, refiro-me à Brillat-Savarin, autor do clássico “A fisiologia do gosto” (França, 1825). Livro originalmente titulado como “A fisiologia do gosto ou meditações sobre gastronomia transcendental”.

A Savarin são atribuídos os estudos que buscam unir aspectos da fisiologia humana, especialmente referentes aos sentidos, nos contextos dos cenários sociais e culturais da França do século XIX. Assim, este autor privilegia entendimento histórico, e ancestral, da cozinha francesa, numa espécie de sacralização do que podemos chamar de gastronomia francesa, que até hoje é um caso de legitimidade do que é a gastronomia, embora muitos movimentos ampliem estes entendimentos, diria saíram da restrição chamada de franco-centrada.

Savarin traz alguns aforismos clássicos que revelam o seu entendimento, complexo e amplo, sobre o que é comida e cultura, melhor dizendo num entendimento fundacional sobre o que é cultura alimentar, por exemplo: “o destino das nações depende da maneira como elas se alimentam”; e, ainda, “dize-me o que comes e ter direis quem és”.

Há no mercado da gastronomia dois exemplos comestíveis que homenageiam Savarin, são eles um pequeno bolo fundado na receita do clássico babá ao rum, que poderá ter cobertura de chantili ou culminado com macedônia de frutas frescas; o outro exemplo gastronômico é queijo Savarin, queijo feito à base de leite de gado vacum e acréscimos de natas.

Estas homenagens profundamente integradas ao objeto de interesse de estudo de Savarin, que é viver o sentido, e o sentimento, do paladar integrado aos demais sentidos, para assim experimentar de maneira plena, diria existencial, os prazeres do paladar, totalmente desvinculados dos pecados que nascem dos prazeres à boca.

 

 

Raul Lody

Gastronomia sertaneja - Foto Eduardo Gazal

Produção e Consumo de Alimentos em Propriedades Rurais no Sertão de Pernambuco

Texto e fotos de Eduardo Gazal
Resumo de trabalho acadêmico realizado em 2015

Relato oral sobre as fazendas Varzinha e Santa Maria, entre os anos de 1935 a 1965

Em entrevistas concedidas por Thereza Soares da Silva, relatando fatos sobre a produção e consumo de alimentos em propriedades rurais no sertão pernambucano, o presente estudo registra um pouco da culinária sertaneja. Engloba aspectos culturais e econômicos, utilização de ingredientes e resgata algumas receitas. Mapeia também a produção doméstica de alimentos destinados à manutenção da vida humana e apresenta produtos alimentícios artesanais que geravam renda financeira às famílias.

O estudo teve inspiração literária a partir de relatos narrados por Luís da Câmara Cascudo em seu livro História da Alimentação no Brasil. A depoente conviveu com a realidade de propriedades rurais nas cidades de Sertânia e Afogados da Ingazeira, localizadas no Sertão de Pernambuco, entre os anos de 1935 e 1965. A partir deste cenário, podemos futuramente elaborar um estudo mais aprofundado, comparando a realidade da época retratada com os dias atuais.

INTRODUÇÃO

A preservação da memória, o registro de hábitos alimentares e produtos consumidos à época são os objetivos deste trabalho. Tem como base relatos prestados por Thereza Soares da Silva, que conviveu com a realidade de duas propriedades rurais entre os anos de 1935 e 1965. Nascida em 1928, no Estado da Paraíba, a depoente vivenciou por três décadas a realidade de fazendas situadas no sertão pernambucano.

A oralidade é fator preponderante deste estudo, preservando experiências reais vividas naquela época e naquele contexto.

O trabalho consegue identificar alimentos produzidos nas regiões estudadas, tanto em regime de abundância de água quanto nas épocas de contingência deste recurso natural. Também aborda hábitos alimentares, utensílios domésticos, fabricação de produtos alimentícios e mostra a diversidade e riqueza do sertão nordestino.

A literatura fala pouco sobre a região pesquisada. Existem poucos estudos e bibliografias referentes à temática, carência ainda maior quando o enfoque é a região específica deste trabalho. Como base bibliográfica, a obra que norteia este estudo é o livro História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo.

Trabalhos acadêmicos contribuíram para elucidar e fundamentar essa análise e também serviram para embasar questionamentos na fase de pesquisa e coleta de dados. A relevância deste trabalho está na necessidade de enriquecer, com informações precisas, estudantes e pesquisadores interessados na origem da gastronomia sertaneja de Pernambuco. Dentz, (2011), menciona em uma publicação acadêmica:

Estudos sobre gastronomia no meio acadêmico são recentes, e uma vez verificando-se o período, observa-se que os interesses se originam com o crescimento da oferta de cursos de bacharelado em Turismo, e de cursos para técnicos e tecnólogos em Gastronomia nas universidades e centros universitários do Brasil. (DENTZ, 2011)

COLETA DE DADOS

A metodologia utilizada para obter as informações necessárias à realização deste estudo foi a da entrevista padronizada, com roteiro previamente estabelecido de perguntas. Entre os meses de setembro de 2014 e março de 2015, ocorreram várias conversas com o objetivo de conseguir informações sobre a realidade vivida nas propriedades rurais.

As perguntas elaboradas foram as seguintes:
Qual o horário das refeições e o que era servido?
Quais animais destinados ao consumo humano eram criados nas propriedades?
Quais espécies vegetais eram cultivadas e se aplicavam à manutenção da vida dos moradores?
Quais alimentos eram comprados para abastecimento humano?

Durante as entrevistas obtive relatados importantes que complementavam as perguntas previamente elaboradas. Foram registrados com o objetivo de documentar hábitos e métodos de produção de alimentos daquela época e apresentados nos apêndices deste estudo.

RESULTADOS

Os depoimentos colhidos nas entrevistas foram o eixo principal para a coleta de dados deste estudo. São relatos que merecem ser preservados, devido à época que ocorreram e também a região do sertão nordestino que retratam.
A entrevistada é uma testemunha da história e o fato de conviver em nossos dias acrescenta a este estudo um fator relevante e de máxima importância para a documentação histórica da gastronomia.

Veremos a seguir as respostas obtidas através das entrevistas:

Em relação aos horários das refeições e o que era servido foi apurado que aproximadamente às cinco horas era servido o café da manhã. Geralmente composto de coalhada escorrida com nata e açúcar ou coalhada fresca com rapadura. Bolacha D’água, cuscuz com ovos, leite de vaca fervido e café preto, completavam a primeira refeição. Sobre a coalhada e sua importância ao sertanejo, menciona Cascudo (2007):

O leite coalhado é imemorial, saboreado na Grécia e Roma, apreciado pelos deuses olímpicos. Por toda a Ásia é conhecido, do sul, centro e norte, acidulado com essências aromáticas ou in natura, como se usa no Brasil inteiro. (CÂMARA CASCUDO, 2007, p. 27)

Em outra menção do autor versando sobre a coalhada temos este trecho:

Os caçadores árabes e asiáticos levavam-na em sacos de couro, como o sertanejo brasileiro a guarda para fazer o queijo. Era alimento refrescante e tonificador. (CÂMARA CASCUDO, 2007, p.27).

O almoço, servido aproximadamente às onze da manhã, principal refeição do dia, apresentava uma combinação de receitas e ingredientes que podemos resumir assim:

Entre os alimentos de origem vegetal, diariamente eram servidas as seguintes opções: feijão macassar acompanhado de arroz branco escorrido ou arroz de leite. Os tubérculos como a macaxeira, inhame ou batata doce, eram previamente cozidos como manda a tradição culinária nordestina. Alface e tomate cereja eram consumidos in natura, temperados com vinagre e sal.

A farinha de mandioca originava a farofa de raspa de tacho, que surgia da mistura com a borra que se formava nas assadeiras de queijo manteiga. Havia também a farofa d´água que era resultante da adição de manteiga de garrafa, cebola e cebolinha à farinha de mandioca.

O consumo de carnes era obrigação diária na composição do cardápio sertanejo.
As fazendas se destinavam ao pastoreio bovino. Porém, o consumo de carne bovina fresca ou verde como é chamada no Nordeste do Brasil não existia. A carne de sol era utilizada com muita frequência.
Os caprinos eram muito apreciados devido à facilidade de adaptação ao ambiente árido do Sertão. Receitas como o bode guisado e o bode assado eram comuns no dia a dia.
A criação de suínos era importante para a manutenção da vida humana, além de fornecer renda extra para o custeio das propriedades. Receitas como o porco guisado e porco assado eram costumeiras. Em dias de festa ou domingos aparecia o pernil assado ou a buchada de bode.
As aves eram consumidas em dias comuns e em ocasiões especiais. Galinha guisada era prato corriqueiro. Pato assado e perua recheada compunham o cardápio dos domingos.
Havia também receitas de frango capado e galo capão. Um cuidado especial era necessário para manter a qualidade destas aves. Aproximadamente três dias antes da sua utilização culinária, a aves eram retiradas do terreiro e confinadas em galinheiros. Alimentadas com milho apenas, passavam por um processo de purificação e só então eram consumidas.
Miúdos de galinha eram preparados em forma de guisados.

Na fazenda Varzinha encontrava-se um dos principais açudes da região. A pesca era praticada como atividade de lazer. Consequentemente os peixes capturados transformavam-se em excelentes quitutes para os domingos.
Sobre os peixes e os açudes, encontramos uma esclarecedora referência de Cascudo (2007), onde o hábito da pescaria, além de fornecer alimento muito apreciado, era motivo de encontro entre famílias e amigos:

Depois da construção dos açudes, 1918 em diante, em certa época do ano faziam pescarias, diurnas ou preferencialmente noturnas, quase uma festa. (CÂMARA CASCUDO, 2007, p. 665)

História da Alimentação no Brasil, Câmara Cascudo
História da Alimentação no Brasil, Câmara Cascudo

Antes das refeições, a cachaça era a bebida predileta, saboreada com gotas de limão.
Durante as refeições se bebia apenas água. Após o almoço sempre era servido o café preto.
As fazendas recebiam vinho da marca Tito Silva, provenientes da cidade de João Pessoa no Estado da Paraíba.
O único licor fabricado nas propriedades era feito a partir do café.

Aproximadamente às quinze horas havia a merenda ou lanche da tarde.
Bolos de milho e macaxeira eram os mais comuns. Pão-de-ló, bolo feito com farinha de trigo aparecia à mesa com menos frequência, mas era muito apreciado. Em seu livro a Saga do Açúcar, Quintas (2010) enaltece o Pão-de-ló.

O pão-de-ló é no Nordeste um clássico, como em Portugal continua sendo; nunca perdeu seu reinado, desde sempre esteve na hierarquia das melhores casas lusitanas.(QUINTAS, 2010, p.218)

Os bolos eram servidos acompanhados de queijo manteiga.
Banana da terra cozida e frutas in natura tinham presença obrigatória. Caju, goiaba, jaca, manga e graviola eram as mais consumidas. O doce de goiaba era o mais apreciado.
Não havia o costume de consumir sucos, porém o sumo da graviola era bebida conhecida. Café preto e leite de vaca completavam a merenda.

O jantar ou ceia noturna era servido por volta das dezoito horas. Cuscuz com leite e nata, macaxeira cozida com manteiga de garrafa eram corriqueiros. Coalhada escorrida com nata e açúcar era receita diária. As carnes de bode assado ou guisado eram as opções de proteínas para a noite. Os bolos de macaxeira ou de milho eram saboreados com fatias de queijo manteiga. Para beber café preto.

Por volta das vinte e uma horas, algum dos doces da merenda, acompanhados de abacaxi in natura, determinavam a derradeira etapa da alimentação diária.

Sobre o horário das refeições, escreve Cascudo (2007) em História da Alimentação do Brasil:

A divisão do tempo para alimentar-se provirá do estabelecimento regular da agricultura; a partida matinal, o regresso ao meio dia, e a recolhida nas primeiras horas noturnas.(CÂMARA CASCUDO, 2007).

Em resposta sobre o questionamento a respeito dos produtos produzidos nas fazendas, obtive os seguintes dados:
Alguns produtos eram manufaturados nas propriedades. O chouriço de porco na versão adocicada era um deles. A manteiga acondicionada em latões de vinte litros também contribuía com a arrecadação das propriedades.
As propriedades rurais descritas neste estudo eram produtivas e garantiam quase totalmente a provisão de alimentos para os proprietários, seus familiares e trabalhadores. A necessidade de aquisição de gêneros alimentícios era relativamente pequena.

Nos períodos de estiagem a ração diária e a variedade de alimentos sofriam restrições severas. Para conviver com a realidade sertaneja foram construídos silos de armazenagem para grãos de milho e feijão.
As construções demonstravam como as fazendas eram modernas para a sua época.

Sobre os depósitos para guardar grãos, Cascudo (2007) relatava no século passado:

Relativamente modernos são os silos armazenadores de grãos. Compram feitos, armando-os nos locais apropriados ou improvisam, com folha-de-flanders. São métodos de adaptação e não de tradição. (CÂMARA CASCUDO, 2007, p. 430)

Apenas a carne de sol era comprada nas feiras, os outros alimentos de origem animal eram oriundos das fazendas e abasteciam as casas dos proprietários e funcionários, garantindo o suprimento nutricional dos seus habitantes. Sobre a importância da carne de sol para o povo nordestino, menciono Recine e Radaelli em trabalho escrito como apoio à série TV Escola do Ministério da Saúde:

A carne de sol é alimento indispensável no Nordeste e parece ter tido origem no hábito indígena de assar a caça para conservá-la por algumas semanas. A industrialização da carne de sol, comum no Rio Grande do Norte e Ceará, teve início no final do século XVII (RECINE e RADAELLI, p. 23)

Entre os alimentos de origem vegetais consumidos, a necessidade de aquisição se resumia aos seguintes itens: farinhas de trigo e de mandioca, arroz e açúcar. Os grãos de café eram provenientes da cidade de Taquaritinga do Norte, no Agreste de Pernambuco. Vinham de propriedades pertencentes ao avô da entrevistada. A aguardente de cana de açúcar e o vinho eram adquiridos no comércio local. O abacaxi não se aclimatava na região do Sertão, mas era muito apreciado e consumido in natura, sendo comprado para o abastecimento dos residentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora a principal atividade mercantil das propriedades rurais fosse a criação de gado, identifiquei uma variedade maior de gêneros alimentícios produzidos nas fazendas em relação ao que imaginei no início da pesquisa.
Demonstra que a região quando abastecida de água ou em regime de chuvas, torna-se muito produtiva. A dieta é variada, possibilitando a elaboração de muitas receitas, garantindo a nutrição dos habitantes naqueles tempos.
As fazendas eram pensadas para produzir durante todo o ano, respeitando as sazonalidades das espécies vegetais em épocas úmidas e secas.

Comprava-se poucos alimentos em relação às necessidades diárias de suprimentos.
Durante as conversas com a depoente, várias informações foram prestadas, acrescentando ao trabalho um conteúdo bastante abrangente.

Espero que o presente estudo possa contribuir com questionamentos futuros e traga uma visão do que foi a alimentação naquela região. Acredito que, numa averiguação posterior em relação ao tema aqui abordado, seja possível um raciocínio mais aprofundado. Incluir a alimentação disponível aos empregados seria um bom tópico de investigação.

Podemos também comparar a realidade da época retratada com os dias atuais. Tal comparação deveria ser feita em estudos posteriores para identificar semelhanças e diferenças importantes. Descobrir se tradições foram mantidas ou o tempo se encarregou de aniquilar hábitos e costumes, seria um excelente ponto de partida para um questionamento a respeito da região estudada.


APÊNDICES

APÊNDICE A – Relatos de temas variados

Durante as entrevistas surgiram fatos que fugiam às perguntas previamente elaboradas. Porém, são pertinentes ao tema principal. Devem ser registrados, objetivando a preservação histórica.

Relato sobre a estrutura das propriedades:
As propriedades rurais estudadas apresentavam diferenças estruturais dignas de nota.
Na fazenda Varzinha, durante muitos anos, encontrava-se o maior açude da região.
Alguns equipamentos e utensílios de cozinha, considerados modernos para a época, foram implantados nesta propriedade.

O fogão inglês, forjado em metal, contrastava com os lendários fogões à lenha manufaturados em tijolo e barro.
Era o início da modernização da cozinha, recebendo utensílios fabricados em indústrias onde o ferro aparece como principal elemento estruturador.
A geladeira à querosene, considerada um item de avanço tecnológico, foi introduzida na Varzinha.
Os silos de flanders, para armazenamento de milho e feijão, eram exemplos de ações de vanguarda.
Nesta propriedade se instalou uma edificação para produção de derivados do leite.
Era chamada casa do queijo.
Foi edificada em local distante em relação à casa da família.
Os objetivos eram os seguintes:
Afastar os fortes odores da produção do queijo e aproveitar o soro do leite, que seguia através de encanamentos para enriquecer a ração alimentar servida aos suínos.

Relato sobre a louça inglesa:
Entre os presentes mais importantes para ofertar à dona da casa, estava o conjunto de peças de porcelana para café, almoço e jantar.
Anexei neste trabalho fotos de algumas peças da louça inglesa, que se mantém perfeitamente preservada.
Uma frase da depoente chama a atenção:
¨Para onde íamos, a louça ia também¨
Refere-se ao fato de acompanhar a família nas mudanças de uma propriedade para outra.

Gastronomia sertaneja - Foto Eduardo Gazal
Gastronomia sertaneja – Foto Eduardo Gazal

Relato sobre a produção de uvas no sertão nordestino:
Na fazenda Santa Maria foram introduzidas parreiras. A produção de uvas aparece em uma região onde seu cultivo seria pouco provável.
A depoente relata que era uma novidade para a época e recorda-se de colocar saquinhos de algodão, encobrindo os cachos ainda jovens, visando preservar a integridade e o crescimento sadio dos frutos.
A espécie cultivada era a uva verde de mesa.

Relato sobre a colheita da cana:
Os meses de setembro e outubro são marcados pela colheita da cana de açúcar.
Seu cultivo não era atividade de grande vulto, porém, bastava para refazer o estoque de rapadura.
Aproveitavam a moagem para sorver o caldo da cana como refresco.
A partir do melaço da cana aquecido poderia ser feito o alfenim, doce apreciado pelos jovens.
A sua feitura era dolorosa, o melaço quente era manipulado para dar forma aos docinhos.
A depoente declara:
“Ninguém queria fazer, era difícil aguentar o calor, dava calos nas mãos”

Relato que insere as propriedades dentro de um contexto ecológico evoluído para sua época:
Eram proibidas derrubadas de árvores como a quixaba e o umbuzeiro.
A caça de animais de grande porte não era permitida nas propriedades. O veado da caatinga era um exemplo.
A colheita de mel era feita na época de floradas das espécies vegetais nativas.
As abelhas são muito abundantes no ambiente sertanejo. Não havia a necessidade do confinamento das abelhas em caixas.
Para evitar que o gado fosse se multiplicando através das gerações, carregando a mesma informação genética, os touros reprodutores, eram trocados entre os fazendeiros da região.
Aproveitando a baixa das águas dos açudes, se intensificava a produção de vegetais. O solo úmido propiciava o plantio das hortas evitando a necessidade de irrigação.

Relato sobre a venda de goiabas para a fábrica denominada Peixe na cidade de Pesqueira:
Na fazenda Varzinha, o cultivo de goiabeiras era importante para a família.
A produção dos frutos possibilitava excelente renda.
As cargas de goiabas in natura tinham destino certo: a fábrica Peixe.
Durante muitos anos a fábrica foi responsável pela industrialização de doces e gerava empregos para habitantes da cidade e municípios vizinhos.


APÊNDICE B – Frases pronunciadas pela entrevistada

Algumas frases pronunciadas pela entrevistada durante as conversas:
. Água para matar a sede e depois café.
. Naquela época tudo era difícil, mas dava de tudo.
. Não havia macarrão, pão se comprava somente aos sábados, na feira.
. A batata doce era mais consumida que a macaxeira.
. Tempero de peixe é: sal, limão e cebola.
. A vida era muito sofrida, tinha época de feijão e milho. Isso porque papai guardava.
. Na moagem da cana o padre vinha rezar a missa.


APÊNDICE C – Receita

Chouriço Doce
Relatado por Thereza Soares da Silva

Modo de preparar:

O saber fazer deste doce, disputado entre irmãos até as últimas colheradas, é o objetivo deste relato.
As proporções dos ingredientes ficaram em cadernos de receitas perdidos pelos familiares da depoente.
Porém, para registrar o modo de preparo, recorremos à memória de Dona Thereza Soares.
Segue o passo a passo da preparação desta iguaria:
O doce é feito a partir da junção de rapadura derretida e sangue de porco. A gordura da barriga do suíno era adicionada aos poucos.
Era elaborado em tacho de cobre que repousava sobre as chamas de um fogão à lenha.
Os três elementos básicos recebiam cravo, canela e pimenta do reino.
O tempo de preparo se aproximava ao intervalo entre o café da manhã e o almoço.
Havia a necessidade de revezamento entre as mulheres em volta da preparação do doce.
A colher de pau de cerca de um metro era essencial.
O ponto ideal para a finalização do doce assemelhava-se ao do doce de goiaba em pasta.
Alcançando esse ponto, o doce finalmente podia ser armazenado em latas ou potes de vidro.


ANEXOS

ANEXOS – Receitas e Trechos de Livros

Receita de Bolo de Milho – Açúcar. p.103 – Gilberto Freyre
Escolhem-se 12 espigas de milho maduro: rala-se o milho e em seguida passa-se numa peneira de arame. Faz-se um angu da massa com o leite de 1 coco ( tirado com água ), 1 colher ( 50g ) de manteiga, um pouco de erva-doce e açúcar a gosto. Feito isto põe-se o angu numa caçarola e leva-se ao forno para cozinhar. Depois de cozido deixa-se esfriar na mesma caçarola. Quando estiver frio batem-se 4 ovos como para pão-de-ló e mistura-se ao angu. Em seguida põe-se o bolo numa fôrma untada com manteiga deitando-se por cima 1 colher de leite de coco puro. Leva-se ao forno quente para assar.

Receita de Doce de Goiaba em Calda – Açúcar. p.134 – Gilberto Freyre
Escolhem-se goiabas boas e maduras. Descascam-se. Parte-se cada uma ao meio com uma faca. Tira-se o miolo com o cabo de uma colher e metem-se então as goiabas dentro d’água e junta-se a calda. Leva-se ao fogo numa caçarola deixando-se cozinhar até que as goiabas fiquem macias. O ponto de calda pode ser de pasta ou fio brando, conforme o gosto.

Açúcar, Gilberto Freyre
Açúcar, Gilberto Freyre – Primeira Edição

Receita de Pão-de-Ló de Leite – Mini Culinária de Dona Zizi. p. 215
4 ovos
1 xícara (chá) de açúcar
1 xícara (chá) de leite quente
2 xícaras (chá) de farinha de trigo
1 colher (sopa) rasa de fermento em pó

Bata as claras em neve, junte as gemas e o açúcar aos poucos, sempre batendo. Adicione o leite e bata mais um pouco. Quando a massa estiver bem fofa, peneire por cima a farinha e o fermento, misturando levemente sem bater. Asse em assadeira número 3 untada e enfarinhada, em forno médio (175 graus) por cerca de 30 minutos. Rendimento: 25-30 pedaços.

Trecho do livro A Saga do Açúcar de Fátima Quintas que menciona o Pão de Ló – p.183
“SIRVA-SE DO PÃO DE LÓ QUE FOI ELA QUEM FEZ”
Um dos mais antigos bolos na história da doçaria e, certamente, o mais antigo em Portugal, foi o pão de ló, um clássico; também um dos primeiros trazido pelo português para o banquete brasileiro. Servido como sobremesa – que sobremesa! –, e igualmente ofertado aos convalescentes. Considerado o mais histórico dos bolos caseiros no que se refere à tradição.
Importante salientar: o pão de ló manteve-se europeu em ambiente tropical americano, sem adequação da receita, tal qual o original, genuíno na sua maneira de fazer – inadaptável à farinha de mandioca, fiel aos ingredientes de sua composição, ovos, farinha de trigo, açúcar; jamais declinou da sua majestade.

Receitas de Bolo de Macaxeira
Fátima Quintas – A Saga do Açúcar, p.276 e p.282

A Saga do Açúcar, Fátima Quintas
A Saga do Açúcar, Fátima Quintas

RECEITAS TRADICIONAIS PERNAMBUCANAS DE TECA DA COSTA PINTO

BOLO DE MACAXEIRA
1kg de macaxeira, descascada, lavada e ralada; 1 coco grande ralado; 4 ovos inteiros; 2 colheres de sopa de manteiga; 800g de açúcar refinado; 1 colher de café de sal.

Modo de preparar
Rale a macaxeira, rale ou raspe o coco fininho. Misture bastante. Bata os ovos inteiros,misturando sempre. Acrescente o sal. Com o açúcar faça uma calda com 2 xícaras de água. Quando a calda estiver em ponto grosso, sem deixar esfriar, apague o fogo e coloque a manteiga. Assim que a manteiga derreter, ainda com a calda quente, misture com a macaxeira, o coco, os ovos e o sal. Em seguida aos poucos, passe tudo no liquidificador para ficar como uma pasta grossa. Depois asse em fôrma funda, untada de manteiga e polvilhada de farinha de trigo. Forno quente por mais ou menos 1 hora.

BOLO DE MACAXEIRA (NÚMERO 2 – RECEITA ANTIGA E SECULAR)
1 xícara de manteiga; 2 xícaras de açúcar refinado; 3 ovos inteiros; 1 coco grande retirado o leite sem água; 1k de macaxeira ralada, espremida e peneirada; 1 colher de café de sal.

Modo de preparar
Bata a manteiga com o açúcar até ficar um creme leve. Depois coloque as gemas peneiradas. Bata bastante. Em seguida, acrescente a macaxeira que deve estar pronta, o leite de coco e, por último, as claras batidas em neve. Misture tudo e leve para assar em fôrma untada de manteiga e polvilhada de farinha de trigo. Forno quente por mais ou menos 1 hora. É uma delícia esse bolo do tempo das nossas avós. Hoje dificilmente se faz.

Trecho do livro Açúcar de Gilberto Freyre, 5.ed, p.60
Na fase de transição do doce feito em casa para o industrializado – continuando a ser regional e tradicional, em vez de imitado do estrangeiro –, fase que o Nordeste há anos atravessa, já tendo na indústria anglo-recifense dos biscoitos Pilar uma indústria pioneira, nesse setor, e outra, na goiabada Peixe, podem animar aos nordestinos exemplos de grandes triunfos como os que nos chegam da atual Espanha.

Artigo inicialmente publicado em: https://www.colunawebgourmet.com/

Bolo Luiz Felipe, São João do Tauape, Fortaleza, CE. Foto: Teresinha Sampaio.

Luiz Felipe, uma joia da cozinha de engenho

Vem de um engenho de cana-de-açúcar das antigas terras de Jaboatão um icônico bolo de queijo, que é a mais perfeita conjunção entre o doce e o salgado. Trata-se do fabuloso Bolo Luiz Felipe*, uma joia da culinária da Zona da Mata de Pernambuco, batizado em homenagem a um político pernambucano do século XIX, Luiz Felipe de Souza Leão, senhor dos engenhos Tapera e Santo Inácio.

Tabuleiro de japonês, no bairro da Várzea, Recife, PE. Foto: Jacqueline França

Japonês, a cozinha do açúcar anda pelas ruas

Texto de Josué Francisco da Silva Júnior

O japonês é um famoso doce de tabuleiro e o ofício da sua venda é um elo sem igual das cozinhas com as ruas. Faz parte da memória afetiva dos pernambucanos e, particularmente, me traz muitas lembranças do tempo de criança.

De imediato, me recorda meu sobrinho João e sempre associo o pregão das ruas do Recife à sua infância na Rua do Cupim, no bucólico bairro das Graças, hoje em dia nem tão bucólico assim. Lembro que quando o vendedor passava com seu tabuleiro gritando “Japonêeeeeis!”, ele corria para a sacada do apartamento numa alegria que só vendo e passava o dia imitando o pregoeiro que acenava da calçada.

Não sei a origem do nome “japonês” no Recife e na Zona da Mata pernambucana e penso que não tem ligação com o Japão, visto que os doces nipônicos não têm tanto açúcar como os nossos.

É popular em muitas localidades do Nordeste do Brasil sob outras denominações, como quebra-queixo por exemplo, embora em Pernambuco esse nome seja usado exclusivamente para o doce de coco.

O quebra-queixo, que sempre reinou absoluto no tabuleiro, na verdade, é um doce duro de coco queimado que amolece à medida que vai sendo mastigado, grudando na boca com facilidade. Sim, é preciso ter cuidado com os dentes frágeis, pois o seu nome já denuncia.

O quebra-queixo pode ser tão duro que é vendido, em outros estabelecimentos, na forma de confeito (bala) embrulhado em papel de seda.

Originalmente, no tabuleiro de japonês não havia a diversidade que se tem visto ultimamente. Era apenas o quebra-queixo de coco e mais os doces de coco-branco, de coco em pedaços, de batata-doce e de amendoim, os campeões de venda. Hoje em dia, pode-se encontrar de goiaba, de banana, de mamão, de abacaxi, de castanha-de-caju, embora o coco marcantemente faça parte dos ingredientes da maioria deles.


Tabuleiro de quebra-queixo em Garanhuns, PE. Foto: Carla Denise Cumarú da Silva
Tabuleiro de japonês, no bairro da Várzea, Recife, PE. Foto: Jacqueline França

O japonês é a cozinha do açúcar que se movimenta, levando cheiros e carregando sabores, do mesmo jeito que acontecia com a tábua de pirulitos, o puxa-puxa, o alfenim, as cocadas, o cavaquinho, o mel de engenho e a emblemática bolinha de cambará, que infelizmente não alcancei.

O doce é vendido em um pedacinho de papel marrom à semelhança do antigo papel de embrulhar pão, embora hoje também seja vendido em papel branco e até saquinhos de plástico. O vendedor pode estar a pé com o tabuleiro na cabeça em cima de uma rodilha de pano, de bicicleta ou mesmo parado com o tabuleiro sobre um suporte de madeira num ponto de muito movimento, como no centro da cidade, feiras ou nas estações de ônibus. Pode-se escolher, ao gosto do freguês, mais de um sabor (metade e metade) no mesmo pedaço de papel.

O apito ou uma espécie de gaita usados junto com o pregão “Doce japonêees! Ói o doce, ó!” servem para anunciar ao comprador que ele deve se apressar porque o doce está passando na porta. Só deve-se tomar o cuidado de diferenciar o apito e o tabuleiro do vendedor de japonês, pois guardam semelhanças com os da venda de cuscuz, outro ofício encarregado de transportar a cozinha pela cidade.

E, por fim, é imprescindível ter água por perto para aplacar a fúria da boca depois de receber tanto açúcar, porque esse doce combina, de verdade, é com água.

Alfenin - Museu do Açúcar e Doce (MAD)

Alfenin, um doce brinquedo

Alfenim. Que saudade que eu tenho desse doce! Pra mim era muito mais que um doce, era um doce brinquedo!

Texto de Angelo Medeiros e Graça França

Lembro quando ia para a feira das Rocas com o meu pai, e ficava encantada com a banca que vendia alfenins: doces branquinhos em forma de bonecos, flores, cachimbos, chupetas…todos contornados de vermelho. Eu tinha uma coleção deles, mas a coleção durava pouco pois criança alguma resiste muito tempo diante de um alfenim – o doce crocante que desmancha na boca! Infelizmente as gerações mais novas não conhecem o alfenim, que praticamente  deixou de fazer parte da nossa gastronomia e da infância de muitos jovens de hoje em dia.

Herança do tradicional doce de tabuleiro do Brasil colônia, o alfenim é um doce delicado e frágil, de cor branca, que se apresenta em formas esculpidas de bonecos, animais, flores e tudo mais que a imaginação criar. A história do Alfenim começa com os árabes, passa pelos portugueses e chega ao Brasil onde adquire forte significado cultural no nordeste brasileiro.

Em 1939 Gilberto Freyre, escrevia no seu livro Açúcar “… Os doces com feitio de homem e de animal, sempre muito encontrados nas feiras portuguesas, e dos quais Leite de Vasconcelos já escreveu que parecem “relacionar-se com antigas formas cultuais” comunicaram-se ao Brasil, sobrevivendo nos mata-fomes de tabuleiro e nos alfenins. Os mata-fomes em forma de cavalo, camelo, camaleão, homem ou mané-gostoso; os alfenins, em formas também de homem, menina, galinha, galinha chocando, pombinhos, cavalo. Doces hoje raros mas que ainda se encontram no Nordeste…”

Para Câmara Cascudo “Alfenim: alfenie, do árabe, valendo o alvo, o branco. Massa de açúcar branco, uma das  gulodices orientais. Em Portugal, já era popularíssima em fins do século XV e princípios de XVI. Citado em Gil Vicente, Jorge Ferreira e Antônio Prestes. Era um doce fino, sem as complicações portuguesas e brasileiras, onde tomou formas humanas, de animais, flores, objetos de uso, vasos, cachimbos, estrelas. Sempre com pequenos desenhos vermelhos. É açúcar e água, apenas. Passa-se goma nas mãos na hora de puxar o fio no ponto do alfenim. De sua fragilidade e mimo restou a comparação melindroso como alfenim. Pertenceu a doçaria dos conventos, ofertado nos outeiros e nas festas de recebimento nas grades nos abadessados portugueses no século XVIII”.

RECEITA DE ALFENIM

“Desde a madrugada estava acordada, mexendo a calda de açúcar, acrescentando-lhe dedal de vinagre da receita. Agora os alfenins, já prontos, secavam em seu tabuleiro, no parapeito da janela da cozinha. Fui ver aquelas cândidas figurinhas: lírios de pétalas frágeis, pombinhos unidos pelo bico, corações entrelaçados…. Loucos por doces, João sentava num tamborete ao lado do fogão e ajudava a fazer o puxa-puxa. Os fios brancos se esticavam entre suas mãos, de uma palma a outra – clara sanfona.  Ele mesmo ficava com cheiro de calda queimada”!

( Heloneida Studart no livro “O pardal é um pássaro azul!”)

INGREDIENTES

5 kilos de açúcar

1 litro de água

1 colher de café de clara em neve

1 colher de chá de limão

MODO DE FAZER

Primeira Etapa: Calda Base

Misturar bem o açúcar, a água e a clara. Levar ao fogo sem mexer e quando começar a ferver retirar a espuma para limpar a calda. Acrescentar o limão, ferver mais um minuto, borrifar um pouco de água pela superfície da calda, desligar o fogo e reservar.

Segunda Etapa: Testar o Ponto de Moldagem

Quando esfriar, retirar a crosta de açúcar que se formou na superfície da calda. Em seguida, vai tirando porções de calda aos poucos e levando ao fogo para dar o ponto de moldagem, que se testa na água fria. Estende-se a calda no mármore molhado, espera esfriar uns poucos segundos, solta as bordas com uma espátula.

Terceira Etapa: Puxa-Puxa

Quando a calda chegar ao ponto de temperatura possível para ser manuseada, ela é puxada e repuxada, até o ponto ideal para moldagem.

Última Etapa: Moldar as Figuras

A última etapa é a moldagem das figuras, usando goma para refrescar a mão e evitar queimaduras. Nesta fase a imaginação e a habilidade para moldar é que fazem toda a diferença.

Projeto Resgate do Alfenim no Rio Grande do Norte

Os chefs Graça França e Angelo Medeiros quando estudantes de gastronomia na UnP, caíram em campo para fazer um trabalho de faculdade a fim de resgatar o delicioso doce feito de açúcar. O trabalho acabou se tornando um projeto sobre “a extinção e o resgate do alfenim”. Segundo Graça, que também é jornalista, foi preciso um árduo trabalho de garimpagem e pesquisa in loco para saber por onde anda o alfenim no estado. A dupla tentou trazer o doce novamente às vitrines natalenses, mas os problemas práticos de fornecimento não deixaram a coisa ir pra frente. Mesmo assim o projeto repercutiu fora do estado, com a participação dos dois no “Mesa Tendências” um Congresso Internacional de Gastronomia organizado pelo SENAC/SP e a revista Prazeres da mesa.

Alfenins de Dona Terezinha – Assu – RN

Na fase de pesquisa do projeto, Graça localizou na cidade de Assu, a única doceira da cidade ainda em plena atividade no ramo. Dona Terezinha ou Tetê dos alfenins ainda trabalha  preservando a receita original, utilizando polvilho nas mãos, na hora da modelagem. Faz isso desde criança. Sua produção é toda caseira, que ela comanda junto às mulheres da família. Ultimamente Terezinha produz apenas sob encomenda, por ocasiões de quermesses, festas juninas e eventos religiosos no interior do estado. Seus alfenins podem ser encontrados em Natal durante a Festa do Boi.

ASSISTA

Vídeo sobre a produção do Alfenim na cidade do Assu-RN, durante a realização do projeto para o resgate do doce no estado.

FONTES
Gilberto Freyre – “Açúcar, uma sociologia do doce com receitas de bolos e doces    do Brasil”
Luis da Câmara Cascudo -“Superstição no Brasil- Cap. Doces de Tabuleiro”.
Maria Marluce Gomes -“História da gastronomia do Rio Grande do Norte”
Jornal Tribuna do Norte-Natal/RN -Caderno Fim de Semana -Matéria super especial sobre sabores em extinção “Ausentes na Mesa”
Diário de Natal -Muito-Edição de Domingo:Gastronomia: Sabor doce e delicado, por Jussara Freire.
Graça França e Angelo Medeiros -Projeto resgate do Alfenim no RN.

FOTOS
Imagens Google
Jornal Tribuna do Norte
Jornal Diário de Natal
Arquivos do Projeto de Resgate do Alfenim de Graça França e Angelo Medeiros.

Publicado originalmente no Blog VENTO NORDESTE em 6 de outubro de 2011.

Vento Nordeste é um blog Nostálgico. Aqui cada postagem tem um pouco da minha vivência no Nordeste, em particular, na minha cidade Natal. Que o Vento Nordeste lhe traga boas recordações dessa terra de tantos encantos, de cultura tão rica e diversificada, desse povo tão amável e acolhedor.

https://papjerimum.blogspot.com/2011/10/sabor-saudade-alfenim-um-doce-brinquedo.html

Museu do Açúcar e Doce destaque do mês

Farófia, farofa ou para ampliar os entendimentos sobre os sabores

Sem dúvida, um dos processos culinários mais referentes e construtores de identidades alimentares do brasileiro está nas receitas das farofas. Farofas salgadas e doces.

Eu quero aqui, e agora, olhar para os preparos doces, geralmente complementares da panificação e da confeitaria, tendo no açúcar as suas mais diversas interpretações e tendências estéticas, onde há o seu protagonismo e uma referência que constrói receitas e identidades.

Nestes contextos, quero problematizar um preparo muito tradicional do mundo português, que tem a sua ampla e diversa doçaria portuguesa marcada pelo aproveitamento integral dos ingredientes, e que mostra que é antiga e tradicional a sua interpretação de sustentabilidade dentro dos seus hábitos alimentares. E é a partir de um ingrediente icônico, que é o ovo, um ingrediente verdadeiramente dominante, na diversa e rica doçaria portuguesa, nas muitas interpretações de receitas.

Destaque para o aproveitamento das claras, visto que há uma tendência marcante do uso das gemas na sua doçaria. Trago como exemplo notável a receita da farófia, cuja base são as claras de ovos batidas em neve, em castelo; além de açúcar e leite, e outros ingredientes que irão variar conforme as muitas assinaturas autorais.

Nas minhas etnografias em Portugal, perguntei por que o nome farófia, e as respostas foram imediatas e consensuais, é porque o doce é fofo. Assim, com esta indicação tão fundamental fiquei a questionar, porque é sempre muito bom questionar, ou relativizar certezas, de que a nossa tão consagrada farofa, nas suas versões mais tradicionais e comuns, a partir da farinha de mandioca, é também, sem dúvida, uma comida fofa.

Bem, fica então esta constatação da pesquisa de campo, insubstituível, fundamental, porque acompanha e retrata as mais profundas relações sociais, sempre simbolizados e encharcadas de memória e de identidade; e ainda de sabedoria tradicional.

Então, vamos rever algumas certezas sobre a possível e sempre questionável origem das comidas, no caso da nossa tão celebrada e querida farofa.

 

RAUL LODY

doce de banana de rodelinha - Museu do Açúcar e Doce

Doce de banana de rodelinha

Se há uma fruta tão nacional e com tantas formas de consumir em preparos doces e salgados é, sem dúvida, a banana. São diferentes bananas, em formatos, em cores, e certamente em sabores. São tão variadas, que fazem desta fruta uma preferência quase unânime na construção de uma identidade do paladar do brasileiro.

E assim, as bananas, muitas, constroem os nossos hábitos alimentares, e estão nas escolhas do que podemos chamar de preferências de sabores que também integram o nosso património alimentar.

Sobre a história da banana e sua difusão, ainda há muitos pontos de conflitos especialmente pelos especialistas em etnobotânica. Muitos atribuem a diáspora da banana no mundo a partir da espécie Musa paradisíaca, proveniente da Ásia, outros atribuem a difusão da banana num variado acervo de espécies de terroir americano, diria sul-americano.

A banana está nas mesas, nas bancas das feiras e dos mercados; e em muitos outros locais onde se pode ter acesso a este grande acervo alimentar que reúne tantas variedades desta fruta emblematicamente tropical.

Além do consumo in natura, eu creio que é o de maior ocorrência das bananas aparecem em diferentes interpretações doces, que mostram tendências e estilos regionais nas muitas receitas que buscam trazer o melhor sabor, e a melhor estética para cada doce, porque doce tem que ser bonito, para assim ser consumido na sua essencialidade.

Entre as muitas receitas de doce de banana que existem, quero destacar uma receita clássica, tradicional, e muito comum de ser encontrada nas casas nos restaurantes; e em muitos outros locais onde se pode viver a experiência dos doces. Refiro-me ao doce de banana de rodinhas ou o doce de banana de rodelinha, um preparo à base de banana, açúcar, cravo e canela; e, sem dúvida, com as melhores assinaturas das doceiras e dos doceiros que se dedicam a este ofício fundamental de adoçar não apenas a boca, mas de adoçar o corpo e o espírito.

RAUL LODY