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Bolo Recife: um bolo-homenagem

Pode-se dizer que Pernambuco tem uma forte relação com a criação de bolos. Bolos que trazem memórias ancestrais ibéricas, e bolos que são reinventados para formarem novas memórias.

O bolo sempre acompanhou a história de Pernambuco, pois recebe nomes de lugares, de engenhos de açúcar, de famílias; marcam datas históricas; e revelam assinaturas, de doceiras e doceiros, de famílias ilustres à época da criação da recita do bolo.

Assim, os bolos marcam a vida de uma sociedade marcada pelos contextos dominantes da cana de açúcar enquanto verdadeiras marcas heráldicas. Os bolos são quase brasões feitos de trigo, mandioca, ovos, leite, açúcar, diga-se muito açúcar; frutas frescas e/ou secas; e especiarias do Oriente.

bolo Recife
Foto de Jorge Sabino

O bolo no Nordeste é principalmente
uma invenção para expressar
os sabores e as estéticas dos trópicos

Bolos para exibirem o glacê “mármore”, feito à base de açúcar e cítricos. Bolos para serem apreciados no dia-a-dia. Bolos para as celebrações dos santos de junho, com receitas com muito milho e canela.

Destaque para Gilberto Freyre que em 2020 celebra 120 anos de nascimento, e assim, do seu livro “Açúcar” (1939), trago alguns dos muitos nomes de bolos que marcam um sentimento nativo pernambucano.

Bolos nomeados como pessoas: bolo Cavalcanti, bolo de milho D. Sinhá, bolo padre João, bolo D. Luzia, bolo Souza Leão, bolo Souza Leão – Pontual, bolo D. Pedro II, bolo de mandioca à moda Dr. Gerôncio.

Bolos nomeados como lugares: bolo Guararapes, bolo de bacia Pernambuco, bolo paraibano, bolo de rolo pernambucano, bolo brasileiro, bolo Souza Leão à moda da Noruega.

Há outros bolos com nomes diversos como: bolo Divino, bolo de São Bartolomeu, bolo engorda-marido, bolo de São João, bolo Republicano, bolo treze de maio.

Trago um estudo de caso que vai além do livro “Açúcar”. É o bolo Recife, um bolo-homenagem à capital pernambucana. Tradicionalmente mantém a forma circular, que é características dos bolos caseiros e das padarias. Ainda, pode ser apresentado no formato retangular ou de “caixa”, e com recheio de doce de ameixa. 

É um bolo para o cotidiano, para acompanhar o café ou chá, ou mesmo acompanhar um generoso pedaço de queijo. Sem dúvida, o bolo acompanha a vida pernambucana.

Raul Lody

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A Indústria Nordestina de Refrigerantes

Por Frederico de Oliveira Toscano

O mercado brasileiro de refrigerantes é dominado por marcas do eixo sul-sudeste, como o Guaraná Antárctica, ou estrangeiras, como a poderosa Coca-Cola. Mas nem sempre foi assim. Desde o século 19 que se fabricam bebidas gasosas não-alcóolicas no país, algumas caseiras mesmo. Imigrantes europeus trouxeram conhecimentos, técnicas e equipamentos ao Brasil, passando a produzir refrigerantes em fabriquetas de fundo de quintal. No Nordeste, o rótulo mais famoso foi o da Fratelli Vita. Os irmãos Francesco e Giuseppe Vita deixaram a cidade italiana de Trecchina e empreenderam a longa viagem marítima até o Brasil em busca de uma vida melhor. Se fixaram inicialmente na Bahia, ainda em 1889, ganhando a vida com serviços diversos e empreendendo.

Foi assim que, três anos depois de sua chegada ao país, inauguravam a empresa Fratelli Vita, aludindo ao parentesco que era a base de sua sociedade. Em um prédio de estilo inglês em Salvador, passaram a fabricar a primeira água tônica do Brasil, com quinino importado da Inglaterra. Também fabricaram conhaques, vinhos e licores, inclusive com uso de frutas da terra, como o jenipapo e o murici. Mas a religiosidade falou mais alto e, apesar do sucesso, os irmãos Vita decidiram encerrar a produção de bebidas alcóolicas e se dedicar à de refrescos gaseificados, com sabores como uva, cereja, limão, morango, ameixa e pera. Foi assim que, em 1907, nascia a primeira grande marca nordestina de refrigerantes.

Não demoraram a expandir. Já em 1913 inaugurava-se uma filial na cidade mais política e economicamente importante da região, o Recife. A primeira fábrica, acanhada, funcionava nos fundos de um sobrado na Rua da Imperatriz. Com o sucesso das vendas, logo passariam à sua sede definitiva, no prédio da antiga Sede do Arcebispado de Olinda e Recife, na Soledade. Lá, se produziam não apenas os refrigerantes, mas também gelo da marca Polar, águas minerais, tônicas, sucos e até uma cerveja sem álcool, a Cervejina. O carro-chefe acabou sendo o guaraná, fruto trazido do norte do país, que conseguia conjugar uma aura de brasilidade e, ao mesmo tempo, certo exotismo, caindo no gosto do público. Naquela primeira metade do século 20 os negócios iam muito bem, mas a Fratelli teve lá os seus percalços.

Fonte: Revista Buena-Dicha, junho de 1938

A Primeira Guerra Mundial dificultaria a importação de ingredientes europeus, como o quinino, obrigando os Vita a serem criativos e a utilizar mais os ingredientes locais. Já na chamada Revolução de 1930, a fábrica da Soledade, no Recife, chegou a ser utilizada pelas forças getulistas. Na sua torre foi colocada uma metralhadora de alto calibre e a fábrica distribuía refrigerantes e panfletos simpáticos a Vargas aos soldados entrincheirados nas ruas da capital pernambucana. Já na Segunda Guerra, a fábrica recifense chegou a ser atacada por populares enfurecidos, no episódio conhecido como o Quebra-Quebra. Na época, navios mercantes brasileiros haviam sido atacados por submarinos alemães. Logo, embarcações civis começaram a ser torpedeados também, a gota d’água sendo o Baependi, que afundou na costa nordestina, deixando centenas de mortos, contando também mulheres e crianças. Com a Itália fazendo parte das potências do Eixo, muitos enxergaram a fábrica da Fratelli Vita como um inimigo entranhado em solo nacional. Não foram poucos os que se marcharam até ela, portando pedras e pedaços de pau, destruindo o que encontrassem pelo caminho.

A fábrica se recuperaria do “assalto” e manteria sua boa reputação incólume nas décadas seguintes. A Fratelli investia bastante em publicidade, inicialmente em anúncios no jornal e depois no rádio, a partir da década de 1930. Patrocinou ainda concursos, premiações, clubes carnavalescos, programas de auditório e, a partir da década de 1960, propagandas na TV. A competição pelo mercado nordestino era feroz, com marcas como a Antárctica, a Saci, a Bidú, a Cliper e outras mais brigando por uma fatia. A gigante Coca-Cola havia chegado ao país na década de 1940, e chegou a criar entreveros legais com a Fratelli: acusavam a marca brasileira de copiar o famoso formato de suas garrafas de refrigerante. Por muito tempo se acreditou que a concorrência desleal com o poderoso rótulo americano teria sido a ruína da Fratelli, mas a verdade é menos romântica.

 

Fonte: Diário de Pernambuco, 24 de abril de 1951

A fábrica sofreria por passar décadas como uma empresa familiar, por vezes incapaz de se modernizar. De capital fechado, os sócios dela tiravam seu sustento, restando poucos fundos para investir em necessárias melhorias. Foi vendida à Brahma do Rio de Janeiro na década de 1970, que ainda passou dez anos produzindo o famoso guaraná Fratelli. Com a criação da Ambev em 1999, a Brahma acabou fundida à Antárctica e o refrigerante foi descontinuado de vez. O belo edifício da Soledade foi ao chão bem antes e em seu lugar está sendo construído mais um arranha-céu, como tantos que surgem descontroladamente no Recife. Mas a antiga sede em Salvador, ao menos, segue de pé. E há notícias circulando nas redes sociais de que a família Fratelli planeja um retorno do refrigerante, surgido na Bahia, mas que talvez tenha sido mais amado pelos pernambucanos.

Mas houve e há outras histórias de sucesso de refrigerantes nordestinos. Um caso emblemático é o do folclórico Guaraná Jesus, criado pelo farmacêutico Jesus Norberto Gomes, aliás ateu. Sua intenção era criar um novo remédio, mas seus filhos acabaram gostando do xarope. Assim, com sua indefectível cor rosa, gosto adocicado e nome original, surgia o Guaraná Jesus, em 1927, em São Luís do Maranhão. O estado não é apenas o único produtor do refrigerante, mas também seu maior consumidor, desbancando todos os outros rótulos, nacionais ou internacionais. Algum tempo depois da morte do seu criador, na década de 1960, foi adquirida pela Coca-Cola, que passou a produzir o refrigerante desde 2001, mantendo o sabor e aparência, mas modernizando o rótulo e lançando até uma versão light do produto. A bebida, contudo, segue pouco conhecida e consumida fora do Maranhão.

O Nordeste, portanto, possui uma longa e exitosa história na indústria de refrigerantes. Uma que mistura empreendedorismo, engenhosidade e sabores típicos da região. Alguns existentes até os dias atuais, outros presentes apenas nas memórias gustativas e afetivas daqueles que um dia os experimentaram. Mas os refrigerantes nordestinos possuem tradição e potencial para não apenas retornar ao mercado, que é o caso da Fratelli Vita, mas também para ultrapassar as fronteiras regionais, como ainda não ocorreu com o Jesus. Conhecer sua história é entender uma parte importante do desenvolvimento da indústria alimentar brasileira, talvez assim abrindo o caminho para investimentos futuros no setor.

 

 

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