Jetone, mais que um doce de carnaval

texto e foto de Josué Francisco da Silva Júnior

Ao som dos violões
A mocidade alegre sempre a cantar
A nossa canção que faz o coração
Sentir uma vontade de chorar
Ao relembrar os velhos carnavais
Que não voltarão jamais.
(Fragmento da marcha-de-bloco “Recordar é Viver”, de Edgard Moraes)

Uma parte do Carnaval brasileiro tem origem na folia europeia, sobretudo no Carnaval de Veneza com seus personagens da Commedia dell’Arte, nos salões de Paris e em festas portuguesas. No encalço também estão os acessórios usados na festa, como o confete (do italiano confetto) e a serpentina francesa. Muitas tradições carnavalescas perduram tanto na Europa quanto no Brasil. Aqui, a festa leva às últimas consequências a homenagem a Baco e as bebidas são o elixir dos foliões. Mas há comida de Carnaval no Nordeste, como os caldos, sururu, pirões, feijoada, dobradinha, chambaril para dar sustância e, incrivelmente, há doces! Em Pernambuco, os filhoses de origem portuguesa são os mais famosos, também a goiabada para confrontar o bate-bate de maracujá. Mas existe um doce originário da rica culinária carnavalesca italiana, particularmente popular em Gênova, cuja tradição alguns pernambucanos ainda insistem em manter viva: os jetones.

Não há mais jetones coloridos
Nem fantasias de sultões ou espanholas
Tanta coisa me traz saudade
Dos carnavais em minha mocidade
(Fragmento da marcha-de-bloco “Velhas Batalhas”, Arnaldo Paes de Andrade)

Jeton ou jetone, aportuguesado do italiano gettone (gettoni no plural), é um doce dos carnavais românticos do passado e que, hoje em dia, está quase extinto do cotidiano momesco, pelo menos no Brasil. Os jetones pertencem ao mesmo universo dos confetes e serpentinas, do banho de cheiro e do lança-perfume. Também ao saudosismo das marchas-de-bloco, aos bailes carnavalescos, aos corsos e aos blocos líricos pernambucanos. Consiste em um doce caramelado enrolado em papel laminado ou papel de seda colorido, podendo-se usar ainda papel crepom de diferentes cores, de modo que, ao ser embrulhado, forme uma longa cauda de tiras desfiadas. Hoje em dia, se usa qualquer doce, confeito, bala de leite e até brigadeiro para quem quer caprichar. Uma delícia e ao mesmo tempo uma injeção inesperada de açúcar para garantir energia aos foliões. Era item importante da arrumação para o Carnaval, assim como a confecção da fantasia e a compra de apetrechos.

Jetone, mais que um doce de carnaval - Museu do Açúcar e Doce
Foto de Josué Francisco da Silva Júnior

Antes usado à semelhança das famosas batalhas de flores e confete, não é apenas um doce, mas uma gentileza que não se encontra mais, desde a sua feitura caseira à linda encenação final de atirar às pessoas. No Recife, os jetones também eram vendidos nas casas elegantes do Centro da cidade. A pesquisadora Cláudia Lima, em seu Vocabulário do Carnaval Brasileiro, afirma que os jetones com fitas coloridas de papel de seda eram arremessados como se fossem petecas. Na Itália, o costume de arremessar doces nos desfiles e paradas acontece não apenas no Carnaval, mas também no Dia de Reis (Epifania), assim como na Espanha.

Vai sair meu bloco
Com máscaras, fitas, confetes, jetons, serpentinas
Alegorias
Meu povo cantando e frevando, tudo é fantasia.
(Fragmento da marcha-de-bloco “Alegorias”, de Cláudio Almeida e Humberto Vieira)

Ainda visto nas décadas de 1970 e 1980, nos desfiles da Troça Pitombeira dos Quatro Cantos, do Clube Elefante e do Bloco da Saudade, em Olinda, o hábito de arremessar jetones tem caído no esquecimento. No entanto, algumas agremiações recifenses têm persistido na tradição e, com sorte, podemos nos deparar com esse costume nos desfiles e apresentações do Bloco das Flores, Confete e Serpentina, Um Bloco em Poesia e Cordas e Retalhos. Um vínculo com os carnavais de Edgard Moraes, Capiba e Nelson Ferreira que alguns foliões recifenses procuram manter a muito custo.


Josué Francisco da Silva Junior
Pesquisador/Curador – Recursos Genéticos de Fruteiras Tropicais
Unidade de Execução de Pesquisa e Desenvolvimento de Recife
Embrapa Tabuleiros Costeiros
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Recife, PE

One thought on “Jetone, mais que um doce de carnaval

  1. Gostei muito. Ainda não sabia desta tradição e tampouco conheço o doce, mas gostei muito de aprender tanto neste artigo.
    Pois, além de tudo, carnaval é cultura e culinária.

Comments are closed.