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Jetone, mais que um doce de carnaval - Museu do Açúcar e Doce

Jetone, mais que um doce de carnaval

texto e foto de Josué Francisco da Silva Júnior

Ao som dos violões
A mocidade alegre sempre a cantar
A nossa canção que faz o coração
Sentir uma vontade de chorar
Ao relembrar os velhos carnavais
Que não voltarão jamais.
(Fragmento da marcha-de-bloco “Recordar é Viver”, de Edgard Moraes)

Uma parte do Carnaval brasileiro tem origem na folia europeia, sobretudo no Carnaval de Veneza com seus personagens da Commedia dell’Arte, nos salões de Paris e em festas portuguesas. No encalço também estão os acessórios usados na festa, como o confete (do italiano confetto) e a serpentina francesa. Muitas tradições carnavalescas perduram tanto na Europa quanto no Brasil. Aqui, a festa leva às últimas consequências a homenagem a Baco e as bebidas são o elixir dos foliões. Mas há comida de Carnaval no Nordeste, como os caldos, sururu, pirões, feijoada, dobradinha, chambaril para dar sustância e, incrivelmente, há doces! Em Pernambuco, os filhoses de origem portuguesa são os mais famosos, também a goiabada para confrontar o bate-bate de maracujá. Mas existe um doce originário da rica culinária carnavalesca italiana, particularmente popular em Gênova, cuja tradição alguns pernambucanos ainda insistem em manter viva: os jetones.

Não há mais jetones coloridos
Nem fantasias de sultões ou espanholas
Tanta coisa me traz saudade
Dos carnavais em minha mocidade
(Fragmento da marcha-de-bloco “Velhas Batalhas”, Arnaldo Paes de Andrade)

Jeton ou jetone, aportuguesado do italiano gettone (gettoni no plural), é um doce dos carnavais românticos do passado e que, hoje em dia, está quase extinto do cotidiano momesco, pelo menos no Brasil. Os jetones pertencem ao mesmo universo dos confetes e serpentinas, do banho de cheiro e do lança-perfume. Também ao saudosismo das marchas-de-bloco, aos bailes carnavalescos, aos corsos e aos blocos líricos pernambucanos. Consiste em um doce caramelado enrolado em papel laminado ou papel de seda colorido, podendo-se usar ainda papel crepom de diferentes cores, de modo que, ao ser embrulhado, forme uma longa cauda de tiras desfiadas. Hoje em dia, se usa qualquer doce, confeito, bala de leite e até brigadeiro para quem quer caprichar. Uma delícia e ao mesmo tempo uma injeção inesperada de açúcar para garantir energia aos foliões. Era item importante da arrumação para o Carnaval, assim como a confecção da fantasia e a compra de apetrechos.

Jetone, mais que um doce de carnaval - Museu do Açúcar e Doce
Foto de Josué Francisco da Silva Júnior

Antes usado à semelhança das famosas batalhas de flores e confete, não é apenas um doce, mas uma gentileza que não se encontra mais, desde a sua feitura caseira à linda encenação final de atirar às pessoas. No Recife, os jetones também eram vendidos nas casas elegantes do Centro da cidade. A pesquisadora Cláudia Lima, em seu Vocabulário do Carnaval Brasileiro, afirma que os jetones com fitas coloridas de papel de seda eram arremessados como se fossem petecas. Na Itália, o costume de arremessar doces nos desfiles e paradas acontece não apenas no Carnaval, mas também no Dia de Reis (Epifania), assim como na Espanha.

Vai sair meu bloco
Com máscaras, fitas, confetes, jetons, serpentinas
Alegorias
Meu povo cantando e frevando, tudo é fantasia.
(Fragmento da marcha-de-bloco “Alegorias”, de Cláudio Almeida e Humberto Vieira)

Ainda visto nas décadas de 1970 e 1980, nos desfiles da Troça Pitombeira dos Quatro Cantos, do Clube Elefante e do Bloco da Saudade, em Olinda, o hábito de arremessar jetones tem caído no esquecimento. No entanto, algumas agremiações recifenses têm persistido na tradição e, com sorte, podemos nos deparar com esse costume nos desfiles e apresentações do Bloco das Flores, Confete e Serpentina, Um Bloco em Poesia e Cordas e Retalhos. Um vínculo com os carnavais de Edgard Moraes, Capiba e Nelson Ferreira que alguns foliões recifenses procuram manter a muito custo.


Josué Francisco da Silva Junior
Pesquisador/Curador – Recursos Genéticos de Fruteiras Tropicais
Unidade de Execução de Pesquisa e Desenvolvimento de Recife
Embrapa Tabuleiros Costeiros
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Recife, PE

Bebida afurá

Denguê e Afurá: bebidas doces afrodescendentes

Outro caso é o denguê que é uma bebida feita a partir do acaçá branco, feito de milho branco, que é diluído na água e adoçado; contudo, por ser uma bebida mais espessa é considerado uma bebida/comida, também muito nutritiva. O denguê tem ocorrência nos terreiros de candomblé, sendo utilizado como uma importante base alimentar.

Moinho de Açúcar por Debret

Açúcar como especiaria: uso em receituários da Modernidade

A experiência de uso do açúcar enquanto iguaria que compõe um momento específico das refeições data de meados do século XVIII. Não que surjam aí os doces, que já eram confeccionados ao longo da história a partir do uso de frutas secas, mel e outras substâncias que adoçavam os quitutes preparados. Entretanto, o açúcar passou a ser insumo principal na produção da doçaria somente a partir dos Setecentos.

Dicionário do Doceiro Brasileiro - Museu do Açúcar e Doce

130 anos do Dicionário do Doceiro Brasileiro

“Havia então no Brasil a preocupação de comer bem; nossas avós dedicavam à mesa e à sobremesa o melhor do seu esforço; era a dona da casa que ia à cozinha para provar o ponto dos doces; era a senhora de engenho quem dirigia o fabrico do vinho de jenipapo, do de caju, dos licores; à mesa de jantar rebrilhavam (...) as baixelas de prata”. (Freyre, Gilberto)

A longa e diversa experiência histórica e cultural com o açúcar da cana sacarina fundamenta o “Dicionário do doceiro brasileiro. Contendo mais de 900 receitas, na maioria novas, de doces de todas as qualidades, obra de maior utilidade até hoje conhecida e dedicada especialmente as mães de família pelo Dr. Antônio José dos Santos Rego” (1892).
O Dicionário é um rico e amplo memorial dos processos culinários, ingredientes, receitas e indicações de uso e de consumo do doce no Brasil.

Para melhor entender sua dimensão documental e patrimonial, o Dicionário criado e publicado originalmente no século XIX é também um retrato social e econômico do Brasil escravocrata, dos movimentos de uma república face ao império, dos contextos internacionais da Revolução Industrial, dos movimentos artísticos, da busca na belle époque do bem comer e do bem beber. Ainda os sentimentos de nacionalidade tocados em um Brasil eminentemente afrodescendente que, contudo, à época se sentia muito europeu e principalmente francês. Vive-se ainda a chegada organizada das imigrações da Itália, Alemanha, Japão e os sírio-libaneses, genericamente chamados de turcos. Nesse rico caldeirão pluriétnico e pluricultural são organizadas e publicadas as preciosas e históricas receitas do Dicionário.

As receitas demonstram estilos, matrizes étnicas, e aproximam, pelos ingredientes, cada vez mais o Oriente, tão marcado na formação social, cultural e econômica do açúcar do sudeste asiático. Traz também as formas de civilizar pelos caminhos e rotas das especiarias, tocando na formação de hábitos à mesa, na formação de paladares, fenômenos que nascem nas experiências da cultura. Ingredientes quase inseparáveis, o cravo e a canela, como o açúcar e os ovos, além das massas que chegam das farinhas do Reino – de trigo – fubá de milho, fubá de mandioca ou carimã, fubá de cará, além das águas perfumadas de rosa e de laranjeira, e certamente do olhar e da emoção perante as caldas.

O Dicionário é um documento memorial, histórico, gastronômico e antropológico da nossa doçaria multicultural.
Destaco a minha alegria em organizar a 2ª edição deste Dicionário pela Editora Senac São Paulo em 2010.

RAUL LODY

O doce da fruta tropical

Fruta da terra, símbolo do trópico, do ideal do sol, do calor, do mar azul. Paisagens paradisíacas que revelam novos sabores, odores, formas, e cores numa estética, inicialmente, exótica ao olhar estrangeiro.

“Uma fruta se dá nesta terra do Brasil muito saborosa, e mais prezada de quantos há (…) chamam-lhes ananases e depois de maduros têm cheiro excelente (…) outra fruta se criam numas árvores grandes, estas não se plantam nascem pelos matos muitas; está fruta depois de madura é muito amarela (…) chamam-lhes cajus, têm muito sumo (…) o caroço assado é muito mais gostoso que amêndoa (…)”

(Pedro de Magalhães Gandavo, 1576)

Sem dúvida, abacaxi & caju emblematizam o Brasil, como outras regiões desse lado do mundo, e pode-se, ainda, aliar a essa lista de tipicidade a tão celebrada banana. Yes! Temos banana. Muitas, em tamanho, formato e, principalmente, gostos variados. As frutas tropicais trazem um frescor nativo, e trazem também o sentimento de fartura, de natureza, de corpo nu e desvendado.

Unem-se a esses imaginários do que é tropical as aves, especialmente papagaios, aves que estão sob os ombros dos índios, ou na plumária sofisticada de diferentes adornos corporais. Penas colocadas sobre a pele, com pigmentos vindos do jenipapo e urucum, esse tão presente à mesa do brasileiro como o tão popular colorau, para dar cor, sabor, e, principalmente, identidade a comida.

O nosso urucum também é encontrado na Índia tropical, e integra-se a tantas outras especiarias de cores e gostos próprios que trazem sempre o “lugar”, o território nas memórias dos paladares. Assim, as memórias dos paladares, as memórias visuais e as memórias sonoras juntas dão um sentimento holístico dominante quando se fala de comida.

Ainda sobre as imagens ideais de um trópico que descobre-se comendo, especialmente, no caso as frutas que compõem cenários de natureza exuberante, repleta de pássaros coloridos.

“ (…)os gaviões também são muito destros e forçosos: especialmente os pequenos (…) que remetem a uma perdiz, e a levam nas unhas para onde querem (…) Papagaios há nestas partes muitos de diversas castas e muitos formosos (…) são variados e de muitas cores (…)”

(Pedro de Magalhães Gandevo, 1576)

 

 

Para o brasileiro _ o abacaxi _ fruta da família das bromeliáceas, rico em vitamina E, potássio, magnésio, cálcio e, principalmente, açúcar _ é fruta de se comer em casa, ou de garfo e faca nos restaurantes mais sensíveis aos sabores da terra.

Abacaxi in natura para ser comido olhando o mar. Abacaxi em compota, cristalizado, acompanhando assados ou mesmo com feijoada, como fruta de apoio, como informava Gilberto Freyre.
Abacaxi na batida, na caipirinha, e em tudo mais que leve: rum, vodca, pisco, ou a nossa tão estimada “branquinha”, a cachaça.

O caju junto com o abacaxi faz esse brasão do país tropical, ele é nativo da mata Atlântica, dá perto do mar e é bonito de se ver florido, repleto de cores, bom de comer-se também verde, o chamado maturí, como moqueca com dendê e temperos, uma delícia! Caju em passa, revelando ainda mais o doce da fruta; em compota; cristalizado; como vinho ou como cajuína; servindo como carne, sendo base para diferentes pratos salgados; como farofa da castanha assada e também especiaria para bolos como o pé-de-moleque, e para o doce de sangue de porco que é o “chouriço”, ambos desse Nordeste.

Frutas tropicais dessa terra, e de outras também tropicais, contudo, exóticas com a manga, o fruta-pão, a carambola, a graviola, a jaca, entre outras. Frutas do oriente, especialmente da Índia e da Indonésia, porém brasileiras por adoção, com amplo e extensivo cultivo e no uso à mesa.

Contudo, cada vez mais a mesa vem se tropicalizando por meio da adoção de frutas frescas, e frutas da época, no caso em especial o abacaxi e o caju, entre tantas. Vive-se, então, uma mesa de frutas multiculturais, da Europa, da África, da Ásia, da “terra”, muitas já abrasileiradas, tropicalmente brasileiras.

RAUL LODY

Mel de Engenho

O mel de engenho, também conhecido como mel de cana, melado, mel de furo, é um tipo de xarope denso obtido do caldo da cana – Saccharum officinarum – por meio da sua fervura, evaporação e purificação pela retirada da espuma, e esta etapa precede o processo de cristalização do açúcar.

Segundo Gilberto Freyre, no seu livro Açúcar (1969, p. 51-52):

[…] O mel de engenho – ou melado – que é o açúcar na sua primeira (…) encarnação como sobremesa, é como o chá: é preciso que de pequeno o indivíduo aprenda a saboreá-lo como ele deve ser saboreado. Lentamente e com colher. […]

O mel de engenho está presente em âmbito nacional nos diferentes preparos cotidianos e, em especial, no café da manhã e nos lanches, e forma hábitos e escolhas de sabores que fazem parte um dos temas de destaque dos nossos sistemas alimentares.

Alguns preparos muito simples e fáceis de serem realizados no dia a dia mostram o uso tradicional do mel de engenho por milhares de brasileiros:
• Farinha de mandioca misturada com mel de engenho, na proporção de 3 colheres de sopa de farinha para 1 de mel de engenho;
• Farinha de mandioca, mel de engenho e queijo curado ralado, na proporção de 3 colheres de sopa de farinha para 2 de mel de engenho e 1 de queijo ralado;
• Farinha de milho misturado com mel de engenho na proporção de 3 colheres de sopa de farinha para 1 de mel;
• Queijo coalho frito regado com mel de engenho;
• Batata-doce, cará, fruta-pão, aipim, inhame; cozidos na água e sal, e regados com mel de engenho;
• Frutas in natura, como bananas de diferentes tipos, regadas com mel de engenho;
• Garapa, bebida artesanal feita com água e mel de engenho, 2 partes de água para 1 de mel de engenho;
Além desses usos cotidianos, e tradicionalmente brasileiro, o mel de engenho na gastronomia contemporânea, em âmbito nacional e internacional, é uma presença que se amplia, cada vez mais, especialmente na composição estética do prato, como uma base para diferentes preparos salgados; e ainda como ingrediente para muitas receitas tantos doces quanto salgados.

Outras receitas com mel de engenho

Bolo de Melado (1)

Ingredientes:
• 300ml de melado de cana de açúcar (1 ½ xícara de chá)
• 3 ovos
• 3 colheres de sopa de manteiga ou margarina
• 150ml de Leite
• 600gr de farinha de trigo
• 1 colher de sopa de fermento em pó, caso sua farinha já contenha fermento não precisa adicionar mais

Modo de fazer:
1. Pré-aqueça o forno a 200°
2. Numa batedeira ou liquidificador, misture a manteiga, os ovos inteiros, o leite e o melado de cana. Bata até que a mistura fique homogênea; aí, então, acrescente a farinha de trigo e continue a bater até agregar toda a farinha. Agora adicione o fermento e misture-o a massa manualmente e de forma suave. Coloque a massa numa forma untada com manteiga, e deixe descansar por 10 minutos para o fermento agir. Coloque depois no forno (a 200 graus) e deixe assar por aproximadamente 45 minutos.

Broa de Melado (2)

Ingredientes:
• 600ml de melado
• 3 ovos
• 3 copos de farinha de fubá
• 2 copos de farinha de trigo peneirada
• 1 colher de sopa de fermento químico em pó
• ½ copo de óleo vegetal
• ½ copo de leite morno
• Erva-doce a gosto

Modo de fazer:
1. Numa tigela grande o suficiente para conter todos os ingredientes, adicione 500ml de melado e os ovos inteiros, e com uma colher de pau vá mexendo suavemente para agregar o melado aos ovos;
2. Depois, acrescente a farinha de fubá, misture; então, acrescente a farinha de trigo; continue a mexer até ficar uma mistura homogênea;
3. Agora adicione o leite morno, e depois o óleo; misture-o a massa;
4. Sempre faça movimentos circulares e suaves enquanto mexe;
5. Adicione a erva-doce;
6. Por último acrescente o fermento e mexa suavemente.
7. Unte uma assadeira retangular com óleo e polvilhe com farinha de trigo, antes de colocar a massa;
8. Coloque no forno pré-aquecido, e asse por aproximadamente 35 minutos.
9. Após retirar o bolo do forno, ainda quente, pincele a broa com o restante do melado; então, deixe esfriar para servir.

Molho de mel de engenho

Ingredientes:
• 120gr de mel de engenho
• 40 ml de aceto balsâmico

Modo de fazer:
• Misture o melado com o aceto e leve ao fogo. Deixe reduzir até ficar com espessura leve. Use após esfriar.
Nota: Este molho é indicado para saladas verdes como, por exemplo, as preparadas com alface, rúcula, endívia, chicória, entre outras folhas de sua preferência.

RAUL LODY

(Foto-instalação Jorge Sabino)

Bolo de Casamento - Museu do Açúcar e Doce

Do bolo George I ao bolo de casamento

Tão próximo do açúcar, das receitas das casas, dos doces de rua, dos mercados, das padarias, das “boleiras”, Gilberto Freyre desenvolve um olhar afetivo, que se junta ao seu método de traduzir as relações sociais através dos preparos culinários doces, do cotidiano e da festa; e destaca o bolo enquanto uma verdadeira comida-símbolo de Pernambuco.

Gilberto enfatiza a doçaria de Portugal, diga-se uma doçaria já mundializada a partir do século XVI, e localiza as muitas opções de receitas de bolos; que, além de muitas, são variados, e estão presentes nas casas, nas festas, nas devoções religiosas.

No caso do Nordeste, os bolos passam a identificar também os engenhos de açúcar, enquanto verdadeiros brasões que são construídos a partir de receitas autorais, de representações simbólicas de uma história e de uma família.

Para Gilberto Freyre, o bolo é muito mais do que uma receita. O bolo traz a sua variedade na forma de temas, de personagens, de localidades, de santos de devoção, entre tantos outros motivos. Cada bolo tem a sua individualidade, e sua marca; cada bolo mostra seu território de afetividade, de celebração, de religiosidade e de homenagem.

 

 

 

 

Além de ser uma realização gastronômica de estética e de sabor, o bolo, na sua maioria, traz ingredientes nativos, “da terra”, para atestar sua identidade. O bolo traz uma assinatura, uma receita; uma intenção pessoal ou coletiva, regional. Ele marca o terroir do doce em Pernambuco.

Bolo São Bartolomeu, bolo Divino, bolo São João, bolo Souza Leão; bolo Souza Leão à moda da Noruega, bolo Souza Leão-Pontual, bolo de milho D. Sinhá; bolo de milho Pau-d’alho, bolo Guararapes, bolo Paraibano, bolos fritos do Piauí; bolo de bacia à moda de Pernambuco, bolo de rolo pernambucano, entre tantos.

Chegadas, permanências, sugestões, informações gerais, experiências pessoais, etnografias participativas; festas de santos, especialmente os de junho, com rica culinária a base de milho; festas em casa com a família; festas no tempo de carnaval com filhoses e suas caldas perfumadas; ou no Natal, pastéis de carne temperada e pulverizados de açúcar; num verdadeiro laboratório de gostos, de buscas, de descobertas pela boca e pela emoção.

Está no bolo, na sua variedade e nos seus estilos, uma marca onde o pernambucano encontra também a sua identidade, a sua história e o seu pertencimento cultural.

O significado de um bolo é repleto de valores familiares, de festas, de ritos de passagem; o prazer de viver o milho, a mandioca, o chocolate, as frutas, os cremes; as coberturas de açúcar, a técnica do “glacê mármore”, branco e compacto, uma verdadeira delícia, e se for para o bolo de frutas mergulhadas no vinho do Porto ou Moscatel, com a estimada receita de “bolo de noiva”, uma releitura do bolo de frutas inglês, um “bolo-presente” para festas e celebrações.

Nestes contextos, há um bolo tradicional inglês que é interpretado pelas boleiras pernambucanas, e que ganha um lugar de destaque nas celebrações dos casamentos.

Refiro-me ao tão tradicional, e britânico, “plum pudding”, cujas receitas mostram adaptações e estilos, tanto na seleção dos ingredientes quanto no preparo culinário, e é consagrado para a ceia de Natal. Ainda, ele é conhecido como bolo de frutas de Natal.

Uma comida fundamental nas tradições do império britânico. É um bolo que traz significados de unidade para a Commonwealth, e por isso as receitas deste bolo buscam representar os países membros através de ingredientes símbolos da cada país, assim a receita deste bolo não só se espalhou pelos países da comunidade britânica no mundo como teve que se adaptar a região.

As receitas ancestrais do plum pudding chegam do século XVI, e algumas mudanças nos ingredientes ocorrem pelo rigor do puritanismo que considerava o prazer dos sabores, certamente, um pecado em si, um prazer carnal, e ainda associado ao da gula. Além do mais, apesar de ter o nome de ameixa, o que era usado verdadeiramente na receita eram uvas passas.

Nestas bases da formação do conceito culinário do plum pudding, destaca-se um evidente sentido de sustentabilidade no aproveitamento do pão de trigo “duro”, o tão conhecido pão-dormido.

Para exemplificar todos estes processos tradicionais trago uma das mais usuais e tradicionais receitas do pudding, segundo os hábitos dos britânicos. Ainda, este preparo é também conhecido como: black cake, sopa de ameixa, pudim do império britânico, pudim de Natal e bolo George I.

A receita: 85gr de farinha de trigo, sal, 170gr de banha, 140gr de açúcar mascavo, 1 colher de mix de especiarias, 170gr de farinha de pão, 170gr de passas, 170gr de groselha, 1 maçã, 3 ovos, 140 ml de brandy.

Nos aspectos simbólicos deste plum pudding, que se apresenta também como um bolo, destacam-se as frutas que trazem um amplo imaginário da primavera, frutas frescas associadas aos sentidos da fertilidade e da vida, isto, sem dúvida, mostra um significado ao Nascimento de Jesus no Natal.

Este forte sentido de fertilidade, que é trazido nas frutas, relembra a primavera, e marca as celebrações de fertilidade que estão integradas ao casamento e ao nascimento.

Há ainda a busca pela doçura, que, sem dúvida, é um sentimento dominante nestas cerimônias coletivas. Estima-se que os rituais sociais como o casamento, ou mesmo o Natal, ocorram num contexto doce que está ligado ao significado de harmonia e de religiosidade.

 

 

RAUL LODY

Lelê de milho - Museu do Açúcar e Doce

Lelê: uma delícia de milho

Sem dúvida, o milho – Zea mays L. –, entre as espécies botânicas, foi a que teve maior impacto na economia dos povos do mundo. Alguns autores já dizem que os “Descobrimentos” já teriam sido válidos pelo conhecimento do milho.

É importante observar que antes da época dos Descobrimentos, já existia no Velho Mundo, Europa, várias plantas chamadas de milho. Assim, quando chega a informação de outra planta com aspectos e utilizações semelhantes, inclui-se o nome geral de milho, embora houvesse especificações como: milho-maiz, milho-grosso e milho-da-América, referentes a este novo milho após os Descobrimentos do Novo Mundo, Américas.

 

Lelê de milho - Museu do Açúcar e Doce
Foto Jorge Sabino

 

Na América do Sul, o milho é usado milenarmente pelos povos tradicionais, e a sua rica biodiversidade apresenta mais de 400 tipos, a partir daí se estabeleceram os sistemas alimentares que formaram os patrimônios das antigas civilizações latino-americanas.

No Brasil, é extenso o uso do milho nas nossas diferentes cozinhas, e ele faz parte de cardápios tanto de comidas doces quanto salgadas. Por exemplo há pratos salgados como: angu de milho e bambá de milho, complementados com couve, carne suína e embutidos. E doces como: canjica de milho verde, pamonha, mungunzá; cuscuz, mingau, bolos, biscoito e broa; e lelê.

Feito à base de xerém de milho, leite de vaca, leite de coco, açúcar, cravo e canela, o lelê é conhecido também por muxá; sendo servido frio, e complementado com coco ralado.

Assim como o acaçá de leite, a pamonha de carimã, o pão delícia, entre outros, o lelê pode fazer parte do cardápio do café da manhã, do lanche da tarde, ou mesmo da ceia da noite.

RAUL LODY

Bolo Rei - Museu do Açúcar e Doce - foto Eduardo Gazal

Bolo Rei de Pernambuco

Fotos e Texto por Eduardo Gazal

Entramos no período natalino e o Bolo Rei começa a aparecer nas vitrines das padarias.
Sempre belo e colorido, rivalizando com seu primo europeu, o Panetone, o Bolo Rei ou Rosca de Reis, divide as preferências dos paladares dos brasileiros. Derivado de algumas criações gastronômicas do velho continente, o Bolo Rei que conhecemos é uma inspiração da confeitaria portuguesa, que marca presença na doçaria de todo país.

 

Bolo Rei - Museu do Açúcar e Doce - foto Eduardo Gazal

 

Mas é um bolo, um pão doce?

Certamente sua composição e textura nos remete imediatamente aos pães doces elaborados com massas artesanais que recebem oleaginosas em sua composição.

Belamente ornamentado com raspas de frutas cítricas cristalizadas, figos em passa, castanhas variadas e cerejas, recebe uma porção finíssima de açúcar para realçar sua aparência, nos convidando para uma sensacional mistura de sabores.

Mas como sua história é rica em detalhes, vamos então acrescentar um trecho do livro “Doce Pernambuco”, de autoria do antropólogo e escritor Raul Lody, que dedica em sua publicação um capítulo ao bolo, denominado Rosca de Reis. Lody nos conta algumas particularidades deste símbolo natalino e como é conhecido por povos de diversos países e civilizações:

“Gallete des Roi para os franceses, Roscón de Reys para os espanhóis, Bolo-Rei para os portugueses e Rosca de Reis para os brasileiros, esse pão em forma de rosca recebe ingredientes diferentes de acordo com o lugar, como massa folhada e recheio de creme de amêndoas com rum na França; vinho do Porto tinto em Portugal; água de flor de laranjeira na Espanha; e nos países de língua hispânica, como Argentina, usa-se também mel nas receitas. Sua decoração com frutas glaceadas e/ou cristalizadas remetem às joias que são incrustadas nas coroas dos Reis, o que reforça, dessa maneira, que a Rosca de Reis assume um verdadeiro significado valioso, de um presente precioso”.

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Doce Pernambuco - Museu do Açúcar e Doce - Raul Lody