Um Natal com doces de frutas tropicais

Os imaginários tradicionais e populares trazem muitas referências sobre comidas e bebidas que devem compor as tão celebradas ceias de Natal. Contudo, estes imaginários referem-se a dietas alimentares do hemisfério norte.

Lá, onde neste momento, dezembro é o inverno, onde muitas localidades têm inverno rigoroso, repleto de neve. Cá, no hemisfério sul, vivemos um verão pleno, muito sol e calor, sendo esta também a temporada de muitas frutas, como a manga, o caju, o abacaxi, entre outras que compõem os nossos hábitos alimentares durante todo o ano. Neste ambiente de frutas, quero destacar a banana, na sua variedade de tipos e de sabores. Certamente uma fruta tropical emblemática.

Desse modo, em dezembro é comum realizarmos as nossas ceias com assados de carnes de diferentes tipos, com molhos acrescidos de muita gordura; além disso, acrescentamos os doces estão repletos de cremes, as frutas cristalizadas, porque copiamos as celebrações da Europa, onde no inverno as frutas são mais raras, e por isso são glaceadas para serem consumidas nas festas de fim de ano. As bebidas são também a base de vinhos tintos, licores e o outros mais adequados a estação de inverno. Também, compõem esses cardápios algumas frutas secas como: nozes, amêndoas, avelãs, uvas em forma de passas; entre outras comidas muito mais apropriadas para o inverno.

Então, porque não pensar em opções de ceias mais adequadas ao nosso verão, verão sempre muito quente, onde as comidas e as bebidas devem ser muito mais refrescantes, tropicalizadas, para assim serem melhor apreciadas integradas ao nosso meio ambiente.

Ainda, neste olhar sobre a ceia tropical de Natal, quero destacar como é interessante gastronomicamente, e certamente muito saboroso, o consumo de frutas in natura, para aproveitarmos o seu sabor na intensidade, perceber a beleza da cor e da textura de cada fruta.

Certamente são tantas as opções de frutas, frutas do cotidiano, frutas que fazem parte das nossas referências de brasileiros. E a banana está integrada neste amplo imaginário que idealiza nesta fruta uma imagem do que é tropical. E mesmo ela sendo procedente da Ásia, a banana passou a ser uma fruta assumidamente brasileira.

Ela é um verdadeiro ícone tropical. A banana traz sua luxuriante cor imersa no sol. Isto tudo faz com que haja um entendimento, e uma ampla agricultura de povos nativos da América Latina e do Caribe idealizados como paraísos tropicais.

Gilberto Freyre tem assumidamente um método preferido de análise social que se dá por meio da comida. Ele busca criar uma verdadeira mentalidade de nacionalização de produtos, de cozinhas, de receitas; e de hábitos alimentares que identifiquem o brasileiro. É uma verdadeira busca por comidas de identidade.

“Porque em relação a natureza, não pensamos ainda, nesses, quatrocentos anos, de inquilinos a donos (…) Não merecemos a palmeira, nem o juazeiro, nem o tamarineiro. Merecemos, talvez o mamoeiro e a bananeira, já muito nossas”.
(Freyre, Gilberto. Um paradoxo para o Recife In “Diário de Pernambuco”, anos 1920)

Gilberto mostra as opções de frutas da região e de frutas exóticas, e mostra também que estas frutas devem assumir suas próprias falas culinárias, integrar os hábitos, e ampliar as opções dos alimentos. Tudo localiza um sentimento que leva a valorização dos produtos locais, e traz a comida como uma referência de lugar, uma indicação de terroir.

Assim, há uma leitura avançada, para os anos 1920, sobre ecologia e sobre a comida nos contextos da cultura e, em especial, do patrimônio alimentar brasileiro. Mais tarde, nos anos 1930, ele publica pela primeira vez em língua portuguesa a palavra ecologia no seu livro “Nordeste”, e esta obra pioneira localiza uma civilização a partir de uma fruta exótica, a cana sacarina.

O açúcar da cana de açúcar une-se às frutas nativas para formarem uma rica e diversa cozinha de doces, de doces ibéricos que foram tropicalizados, abrasileirados.

Gilberto aponta para os hábitos alimentares locais, e dá destaque para a banana, fruta há muito integrada à mesa regional. Fruta do cotidiano e que está nas mesas desde o café da manhã até as sobremesas mais elaboradas, como a tão estimada “cartola”. Preparo feito a partir da banana-prata, bem madura; queijo de manteiga, açúcar e canela.

As frutas tropicais nativas como o caju, o abacaxi, a pitanga, a goiaba, o araçá, misturam-se com outras frutas tropicais exóticas, vindas do Oriente, como a jaca, a manga, a graviola, a fruta-pão, o jambo, entre tantas que já se abrasileiraram, e que fizeram do Brasil seu território de representação e de identidade.

Com diferentes frutas, há o costume de se fazer duas preparações culinárias tradicionais, as frutas em calda e os chamados doces de “massa”. Isto mostra também os diferentes aproveitamentos das frutas, pois as receitas de doces são formas de conservar e ampliar o consumo das frutas.

Há os doces em calda, muitas vezes acompanhados de complementos como queijos. São doces para serem apreciados dentro de compoteiras de vidro ou de cristal. As frutas nas caldas, em ponto de fio, quase transparentes, para poder revelarem a cor e o brilho de cada fruta.

E ainda, há outras percepções que os doces promovem durante o seu preparo, são os odores, seja da fruta ou das especiarias como o cravo, a canela, ou outra; que faz quem está dentro da casa ou da cozinha ir até o fogão, e reconhecer a assinatura da doceira daquela receita familiar.

Sem dúvida, estão nas receitas familiares as mais importantes memórias pessoais; e, desta maneira, cada prato traz referências, e sentidos especiais, para a ritualidade da casa e das relações hierarquizadas da própria família. A receita do doce de banana de rodelinha, uma receita feita com quantidades e modos subjetivos, pessoais, possibilita que este doce tenha tantos acréscimos e assinaturas de temperos, de especiarias, que marcam cada preparo, cada maneira de se fazer este doce.

Por exemplo, os memoriais “Cadernos de receitas de D. Magdalena”, mulher de Gilberto, mostra uma receita do doce de banana de rodelinha que era feita na sua casa em Apipucos: duas dúzias de bananas-prata, maduras, cortadas em rodelas, três xícaras de açúcar, e água. Cozinhe as bananas com o açúcar em água suficiente que dê para cobrir. Adicione cravo, se quiser. (Receita do livro “À Mesa com Gilberto Freyre”. Org. Raul Lody. Ed. Senac Nacional, 2004).

Assim, geralmente os doces de frutas são feitos de forma muito simples, e o ponto do doce é que dá a qualidade autoral e emocional ao doce.

São tantas opções de doces de frutas, doces também para serem apreciados na sua estética, na beleza da sua cor, da sua forma; beleza que sugere o seu consumo, porque tudo isso se inclui no entendimento pleno da alimentação.
E ainda mais quando essa alimentação é festiva e de celebração, e aí novamente trago o amplo diverso processo de festejar o Natal, certamente festejar pela boca, com as comidas e com as bebidas mais adequadas ao nosso clima.

Certamente a presença de doces de frutas, de doces festivos do Natal com as frutas tropicais, fazem desta festa, uma festa mais nossa, mais brasileira, multiculturalmente brasileira.

RAUL LODY