Autor: MuseuAcuDoc

Museu do Açúcar e Doce (MAD) - foto Jorge Sabino

Um Doce tropical para a ceia de Natal

Sem dúvida, as comidas são profundamente simbolizadoras porque cada comida é verdadeiramente um texto visual e estético, além de ser nutricional. Cada comida é capaz de estabelecer muitas conexões especiais, como acontece com as comidas que identificam cada celebração, e para se viver a festa é preciso comer a festa.

O Brasil um país multicultural, e as muitas festas populares e tradicionais, nas quais a maioria é de vocação religiosa, traduzem esta multiculturalidade. Assim, estas celebrações estão conectadas com as suas bases étnicas e históricas, especialmente as celebrações do Ciclo Natalino.

Originalmente, a maioria dos modelos de festejar o Natal, em âmbito doméstico e familiar, e mesmo comunitário, busca reproduzir os cardápios com as tendências gastronômicas do hemisfério Norte; especialmente da península ibérica, por causa da nossa forte ligação com as bases da cultura portuguesa.

Contudo, esses lugares na época do Natal estão em pleno inverno, e o que é oferecido nos cardápios natalinos traduzem esse ambiente do inverno. E é por isso que encontramos muitas frutas secas, o tradicional bacalhau em muitas receitas; diferentes tipos de aves; cabrito; porco; tudo sendo servido com molhos feitos à base de gorduras. Também, há as frituras, como as rabanadas, um aproveitamento do pão que é embebido em leite e ovos, e depois estas fatias fritas são pulverizadas com açúcar e canela. E para complementar o cardápio, há vinhos tintos, encorpados, para harmonizar perfeitamente o frio do inverno com os assados e os doces.

Entretanto, no Brasil, cada vez mais nos seus cardápios das festas de Natal, busca-se integrar e contextualizar comidas e bebidas ao nosso ambiente tropical que está em pleno verão.

Assim, devemos optar por peixes frescos, frutas in natura, como abacaxi, manga, e outras frutas do mês de dezembro; pudins, manjares, doces de frutas tropicais, onde destacamos o coco; além de sorvetes e sucos; e certamente podemos destacar enquanto vinhos, os nossos espumantes de terroir, que são mais refrescantes e adequados a esses contextos tropicais.

Como estudo de caso, trago a receita do manjar de coco, prato clássico e tradicional das nossas mesas, e que festivamente se integra, em sabor e significado, numa opção de cardápio que pode seguir uma tendência de viver um Natal tropical.

 

Museu do Açúcar e Doce (MAD) - foto Jorge Sabino
foto Jorge Sabino


Manjar de coco

Ingredientes
• 400ml de leite de coco
• 3 xícaras de chá de leite de vaca
• ¾ de xícara de chá de açúcar
• ¾ de xícara de chá de amido de milho
• Óleo para untar a forma

Modo de preparo
1. Unte com uma camada fina de óleo uma fôrma redonda de furo no meio de 22 cm de diâmetro e 6,5 cm de altura.
2. Numa panela média, junte o leite de coco, 2 xícaras de chá do leite de vaca, o açúcar, e misture bem com um batedor de arame para dissolver o açúcar. Numa tigela pequena, misture o amido de milho com o restante do leite.
3. Leve a panela com a mistura de leite de coco ao fogo médio. Quando começar a ferver, abaixe o fogo e adicione o leite com o amido dissolvido. Mexa bem com o batedor de arame por cerca de 3 minutos, até formar um creme grosso. Não deixe engrossar demais para que não fique com grumos.
4. Desligue o fogo e transfira o creme de coco para a fôrma untada. Bata a forma de leve contra a bancada para acomodar o manjar e nivele com a espátula. Deixe amornar antes de cobrir com filme plástico, que deve ficar em contato com o manjar, pois isso evita a formação de uma película grossa na base do doce.
5. Leve o manjar à geladeira para firmar por, no mínimo, 3 horas. Enquanto isso, prepare a calda de ameixa.
6. Na hora de servir: retire a forma da geladeira e passe a ponta de uma faquinha na lateral para soltar o manjar. Cubra a forma com um prato e vire de uma só vez para desenformar. Sirva a seguir com a calda de ameixa.

 

 

cuscus-de-tapioca

Cuscuz de tapioca: um doce de tabuleiro

O cuscuz, no nosso imaginário, é relacionado às técnicas culinárias do norte da África, o Magrebe, que compreende da Argélia ao Egito, onde a farinha de sêmola de trigo duro, de trigo sarraceno, entre outras farinhas, é umedecida e temperada, e segue para o cozimento na cuscuzeira tradicional da região Magrebe, recipiente especial para o cozimento no vapor d’água.

No Brasil, o cuscuz chega com a cuscuzeira e a técnica de umedecer, porém com o uso da farinha de milho; e ainda a massa de mandioca.

Nestes processos culinários são acrescidos outros ingredientes como o leite de coco, o coco ralado, o queijo de coalho; a carne seca, a carne de sol; entre outros ingredientes que vão marcar os sabores e os estilos de fazer cuscuz nas diferentes regiões do Brasil.

Assim, os nossos processos artesanais nas cozinhas ganham muitas interpretações culinárias, pois as receitas são vivas e dinâmicas, e se manifestam nas oportunidades de ingredientes e nos seus contextos eco sociais e econômicos.

Trago como um estudo de caso esta receita popularmente conhecida como cuscuz de tapioca. Contudo, no seu processo culinário não se utiliza o cuscuzeiro, sendo apenas similar ao cuscuz tradicional no ato de umedecer a farinha, que nesse caso é a farinha de tapioca granulada.

 

Para se fazer o Cuscuz de Tapioca

Ingredientes
1 xícara de chá de açúcar
750 g de coco ralado
500 g de farinha de tapioca granulada
1 pitada de sal
6 xícaras de chá de leite de coco
1 lata leite condensado para regar o cuscuz (opcional)

Preparo
Aqueça o leite até levantar fervura. Em uma tigela, coloque o açúcar, o coco, a tapioca e leite fervente. Misture bem e deixe descansar por 5 minutos. Na próxima meia hora, vá mexendo a mistura a cada 5 minutos para hidratar bem. Então, coloque em uma vasilha retangular e deixe esfriar. Leve para gelar, corte em pedaços e decore com coco ralado. Regue com leite condensado se desejar.

 

 

RAUL LODY

foto Jorge Sabino

Os doces de Cosme e Damião

Entre as muitas festas tradicionais e populares, e que se incluem nas celebrações religiosas de matriz africana interpretadas e abrasileiradas na afro-diáspora, está o ritual, seja familiar ou coletivo, dedicado aos Ibejis, divindades protetoras das famílias e das comunidades no âmbito das tradições ioruba.

Esses rituais religiosos se ampliam e começam a incorporar características regionais do Brasil, com isso se une o imaginário dos santos gêmeos da igreja católica, São Cosme e São Damião, com os Ibejis. Faz-se assim uma das maiores tradições da nossa religiosidade multicultural e multiétnica.

Para se viver as festas recorre-se sempre as comidas e as bebidas, porque as festas são também identificadas pelas comidas que são oferecidas e, desse modo, cria-se um grande acervo que está integrado ao nosso patrimônio alimentar.

E em setembro, na tradição religiosa dedicada aos Ibejis, que são os gêmeos protetores das famílias, das comunidades, os promotores da fertilidade e do nascimento de filhos, é celebrado com o um cardápio à base de inhame, feijão, azeite de dendê.

E no paralelismo religioso com os santos católicos, Cosme e Damião, são oferecidos doces e o prato chamado de caruru de quiabos; e ainda, há o caruru banquete, enquanto um cardápio que inclui além do caruru de quiabos, têm-se acarajé, abará, acaçá, feijão de azeite; vatapá, xinxim de galinha, rolete de cana, aluá, entre outros pratos.

No caso da afro-diáspora no Brasil, entende-se que aquilo que pertence ao mundo infantil está vinculando aos doces, muitos e diferentes tipos de doce; porque houve essa relação direta de que não há nada melhor para agradar uma criança do que algo doce.

Assim, misturam-se os doces artesanais, aqueles de receitas familiares e de identidades regionais aos doces industrializados, numa ampla e diversa oferta de uma doçaria representa a fé. A distribuição de doces passa a simbolizar o cumprimento de uma promessa, e uma celebração para os santos da igreja e para essas divindades infantis ioruba.

Alguns doces são marcantes nestas festas de devoção, tais como: cocadas, bolos, manjares; doces diversos de frutas, quindins, queijadas; pudins, tortas; bombons; entre tantos.

Nas casas, oferecer doces às crianças é como oferecer doces para São Cosme e São Damião, como se esses santos comecem pelas bocas das crianças. E nos terreiros de candomblé, nas festas dos Ibejis, seguindo a maioria, os cardápios tradicionais são feitos à base de azeite de dendê, destaque para o caruru de quiabos, também há o oferecimento de alguns tipos de doces, como cocadas.

Sabe-se, ainda, que todas essas celebrações religiosas, especialmente as familiares, onde se concentram as principais devoções a São Cosme e São Damião, são abertas e sensíveis há diferentes interpretações pessoais, estilos autorais de celebrar estes santos; e com isso se cria um amplo e rico acervo de repertórios devocionais que são representados pela variedade e pela diversidade da doçaria brasileira.

 

RAUL LODY

Daniel do doce - foto Eduardo Gazal

Cocadas, cajus adocicados e quebra-queixos

Daniel do doce e sua família são reverenciados por sua dedicação na arte da doçaria popular.

Um legado.

Seu ponto de vendas está situado no bairro da Ilha do Leite, atualmente conhecido como polo médico do Recife.

Daniel é referência na localidade e responsável por entregar as delícias doces aos frequentadores da região.

Seus principais itens para divertir os paladares são as cocadas, cajus adocicados e o doce japonês, também conhecido como quebra-queixo.

Para registro deste encontro inusitado consegui algumas fotos e um web vídeo.

Aproveitem!

No Images found.

 

 

 

 


 

 

Assista o Daniel do Doce em ação, em filmagem de Eduardo Gazal.

Arroz doce com coco - foto Jorge Sabino

Coco: O doce sabor da Índia

É tradicional nos estudos sobre doçaria ibérica e, em especial, na doçaria brasileira, ter um olhar distanciado da Índia. Contudo, este olhar deveria ser muito próximo, pois as bases históricas e tecnológicas no fabrico de açúcar, da cana-de-açúcar, são estabelecidas na Índia. Refiro-me a Índia tropical, uma região que é muito próxima dos nossos territórios tropicais.

No Brasil, há, então, ambientes propícios para se empreender processos originalmente artesanais para fazer o caldo da cana; para fazer rapadura, melado e açúcar, entre outros produtos.

As experiências dos engenhos de açúcar, na Índia, foram orientadoras para os engenhos da Ilha da Madeira, em Portugal, e que de lá chegam para o Brasil, com os saberes tradicionais de se fazer açúcar, especialmente para o Nordeste brasileiro. E tantas foram e são as receitas de bases comuns entre a Índia e o Brasil, diálogos doces na afirmação de identidades e de patrimônios alimentares.

Entre as muitas relações gastronômicas criadas pelos ingredientes, pelas receitas e pelos usos dos ingredientes, destaca-se o coco, esta fruta tropical tão marcante nos nossos sistemas alimentares de brasileiros.

O Coco, tão nosso, tão brasileiro, tão do litoral Atlântico, porém tão asiático em nascimento e em fonte ecologicamente também tropical, que vem do outro lado desse mundo, possivelmente da Índia.

Falo do Coco nucifera L., que para os orientais é conhecido como a planta providencial, porque do coqueiro de tudo se tira proveito: para alimentação, para manufatura de vestuário, para arquitetura, além de variados objetos artesanais, entre muitos outros usos.

Independente da ocorrência do coqueiro no litoral do Panamá, quando da chegada de Cristóvão Colombo, foram os portugueses que introduziram o coqueiro em Cabo Verde, na África, e daí veio para o Brasil.

Gabriel Soares de Souza informa que: “as palmeiras dão cocos, se dão na Bahia melhor que na Índia (…) foram os primeiros cocos à Bahia de Cabo Verde donde se enchem a terra e onde frutifica dos cinco para os seis anos”. (Souza, Soares de. Notícias do Brasil. São Paulo. s/d)

Na cozinha brasileira, os produtos vindos do coco dão um sentimento e um reconhecimento nativo. Coco para tantos pratos: arroz de coco, feijão de coco, bredo de coco, sururu de coco, tapioca ensopada, camarão de coco, peixe de coco, farofa de coco para acompanhar o pirarucu; pedaços de coco nos balaios juntamente com as pipocas em honra ao orixá Omolu. Também, sobre milho vermelho cozido, tiras generosas do coco para formar a receita do axoxô, prato mais apreciado do orixá Oxóssi – Odé – o caçador.

Ainda, nas receitas de arroz-doce, no tão tradicional cuscuz de farinha de milho, tão nosso, tão brasileiro, e que traz profundas lembranças das técnicas culinárias do Magreb, povos e culturas do norte do continente africano, da região do mediterrâneo.

Um outro exemplo que mostra as fortes relações das cozinhas da Índia tropical com o Brasil está em um dos doces mais populares, refiro-me ao doce de banana de rodela ou de rodelinha, geralmente acrescido de cravo, cravo da Índia, e canela em pau e açúcar. Sem dúvida, uma receita indiana, e que faz parte da nossa tradição de consumir este doce. Nas receitas indianas, pode-se ainda acrescentar leite de coco, cardamomo e manteiga ghee.

Assim, o coco com as suas variadas interpretações, tecnologias artesanais de preparo, faz com que se aproveite tudo desse, tudo o que ele possa oferecer em sabor, em adesão à mesa brasileira.

Em Açúcar (1939) de Gilberto Freyre, o autor pernambucano cita: “…biscoitos de coco, broinhas de coco, cocada, cocadinha, doce de coco, sabongo…”

Ainda, destaque para o doce “sabongo”, receita que traz a ancestralidade de unir coco e açúcar. Entretanto, cria-se uma mistura que se torna famosa, a “tão celebrada cocada”. A nossa brasileiríssima cocada.

Certamente, a cocada é uma das referências mais imediatas da cozinha brasileira quando se pensa no coco. Segundo a receita de Gilberto Freyre no seu livro “Açúcar”, há uma proporção de um quilo de açúcar para um coco.

Trabalha-se a calda, adiciona-se o coco, mantêm-se sempre o olhar vigilante e sensível de quem sabe fazer doce, e percebe a forma, o cheiro, o ponto em que essa mistura se torna a cocada; para aí descansar sobre tábua de madeira até esfriar, e então ser cortada. Observa Gilberto: “põe-se ao sol para secar” (Açúcar, 1939).

Também, é comum o uso do doce de coco para recheios, para trazer o sabor do litoral ou o sabor tropical; ou, ainda, o coco ralado para as coberturas, numa proposta estética do branco dominante, que vem do nosso tão estimado Coco nucifera L.

Assim, o coco, inicialmente exótico como a jaca, a manga, a fruta-pão, a carambola, a graviola; entre tantas outras que se tornaram nossos por pertencimento, que se abrasileiraram, chegaram aqui para formar sistemas alimentares extremamente simbólicos e representativos daquilo que consideramos genuinamente brasileiro.

 

 

RAUL LODY

Museu do Açúcar e Doce (MAD)

O mingau de milho e a reza de Santo Antônio

Nas muitas tradições religiosas populares, há sempre um complemento na culminância desses rituais como, por exemplo, o oferecimento de comidas e/ou bebidas. E cada cardápio vai simbolizar o tipo de celebração, também destacar ingredientes que podem mostrar as possibilidades do meio ambiente, e marcar o terroir.

E as festas dos santos de junho, Antônio, João e Pedro, mostram o milho enquanto ingrediente de maior significado que apenas o nutricional, quando ele será consumido em diferentes preparos, e marcará simbolicamente um dos principais papéis da comida que é o de lugar de pertencimento.

Pode-se dizer, ainda, que comer e beber nesses ambientes de festa e religiosidade revela e aproxima a pessoa do que é sagrado, do que é votivo, pois as alimentações coletivas reforçam os mais profundos laços com um sentimento que podemos entender por identidade.

Trago como exemplo a grande fé popular por Santo Antônio, santo português que acompanhou todo o processo histórico da colonização, e que mostra uma grande presença em todo o Brasil, seja por meio da música, da dança, dos cortejos, das trezenas, dos tríduos; e especialmente das comidas de milho.

Na Bahia, notadamente no Recôncavo, são comuns as rezas de Santo Antônio nas casas, nas igrejas e nos terreiros de candomblé, pois os muitos e diferentes processos do chamado sincretismo religioso afirma uma profunda relação sagrada entre Santo Antônio e o orixá Ogum.
Nessa devoção, há uma proximidade, uma intimidade entre Santo Antônio e o devoto, numa relação de amizade e de profundo afeto, faz-se assim uma fé ampliada.

Ainda no contexto do Recôncavo baiano, é comum servir, após as Rezas, um mugunzá feito com milho branco, e, em especial, um mingau no melhor estilo baiano, mingau quase líquido para ser bebido, sendo um mingau de milho amarelo. E assim se expressa a devoção, porque comer a comida da festa é um importante momento de viver a religiosidade.

 

RAUL LODY

Museu do Açúcar e Doce (MAD)

CAFÉ COM “ZABAGLIONE”

Em 8 de maio de 2025, no cardápio oferecido pelo Vaticano por ocasião da eleição do supremo pontífice aparecem duas sobremesas, tradicionalmente italianas: o café com zabaione e uma torta gelada – semifreddo – com suspiros e creme fresco. Com isso, pela oportunidade histórica e acesso a este cardápio, o MAD oferece aos seus leitores e parceiros um olhar gastronômico sobre o café com zabaione.

Popularmente o zabaione é o que podemos chamar de “um tipo de gemada italiana”, cujo processo culinário básico assemelha-se as nossas receitas tradicionais do Brasil.

Destaco esta escolha sobremesa, que faz parte da composição de um cardápio repleto com tantos significados, por ser tão ligada aos hábitos alimentares na Itália. Certamente a receita do zabaione recebe algumas interpretações regionais na Itália, e outras interpretações autorais daqueles que realizam as receitas.

O zabaione nasce da mistura de gemas de ovos e de açúcar, onde há uma proporção, e esta mistura é muito bem batida até que se forme um creme homogêneo e mais esbranquiçado. É um verdadeiro creme, que nesse caso, é servido com café, acrescenta-se o zabaione no café pronto.

Alguns realizam esta receita do creme sem levar ao fogo; outros realizam o creme num processo de cozimento lento que é popularmente conhecido por “banho-maria”. Ainda, pode-se acrescentar alguns tipos de bebidas alcoólicas, e segundo a tradição italiana, uma das mais comuns é o vinho Marsala, porém se pode adicionar conhaque, outros vinhos fortificados, como, por exemplo, o Sagrantino Passito.

Alguns desses estilos certamente estavam presentes na realização da receita na referida ementa, no cardápio de celebração da eleição de novo Papa. E assim, fica este conjunto de considerações para mostrar que as cozinhas tradicionais, geralmente de bases etnoculturais e populares, são as verdadeiramente fundantes de tantos, de muitos sistemas alimentares; além de trazerem muitos significados, muitos simbolismos, nesse caso para a cozinha italiana, e, sem dúvida, para diáspora da cozinha italiana pelo mundo.

RAUL LODY

O arroz de leche no restaurante mais antigo do mundo El Botin em Madri

O arroz de leche no restaurante mais antigo do mundo El Botin em Madri

O famoso restaurante madrilenho El Botin, fundado em 1725, é considerado o mais antigo do mundo. Ele inicia suas atividades como uma hospedaria, já que à época era proibido a venda de comidas prontas em estabelecimentos públicos. Contudo, neste local hoje histórico, os clientes da hospedaria levavam suas carnes, e outros preparos, para serem assadas nos fornos a lenha da hospedaria.

Esta tradição dos assados, dos fornos artesanais à lenha, permanece como marca fundamental da tradição gastronómica deste lugar que é dedicado especialmente aos assados de suínos. Entre os muitos pratos destaca-se o “cochinillo asado”.

Fiel ao meu ofício, e com o desejo de verificar in loco, fui jantar no restaurante El Botin para poder viver e me emocionar com tanta história gastronómica reunida por séculos de funcionamento ininterrupto neste lugar.

Certamente pedi este prato emblemático e identitário do restaurante, o tão famoso “cochinillo asado”, que foi precedido de entradas deliciosas, como as “morcillas”, e para o grande final, um postre também próprio e emblemático das tradições da doçaria espanhola, diria ibérica, que é o arroz de leite, o nosso tão querido e popular arroz doce.

Este preparo doce, que íntegra a civilização Magrebe no território consagrado e conhecido como El-Andaluz, sul da Península Ibérica, chega como um elemento da herança civilizadora de uma longa ocupação feito pelos povos do norte do continente africano na península ibérica durante a expansão do islã para o ocidente.

Assim, nas nossas tradições da doçaria brasileira nós encontramos muitas e diferentes interpretações de receitas, e modos de preparar, do tão estimado arroz doce, uma sobremesa que é tão integrada ao nosso imaginário da doçaria tradicional e popular.

Bem, retomando o tão apreciado arroz de leche do restaurante El Botin, Trago alguns dos ingredientes desta receita que é feita à base de leite de vaca, arroz, cascas de limão Siciliano e de laranja, pau de canela, sal, e canela para polvilhar o prato antes de servir.

E para melhor ilustrar este texto, sege a “carta de postres” do restaurante El Botin recolhida durante o jantar, para marcar a memória e mostrar o seu acervo de doces tradicionais da Espanha.

RAUL LODY

Doces tâmaras e o Ramadã

Doces tâmaras e o Ramadã

Um dos cinco pilares do islamismo é o Ramadã, período de um mês que é dedicado ao jejum, às orações, às reflexões e ao fortalecimento dos laços sociais e afetivos. E tudo isso é especialmente realizado nas refeições coletivas, logo ao anoitecer, conhecidas como “Iftar”.
Também este período do Ramadã se destaca pela retomada ou continuidade das receitas das cozinhas regionais de cada povo e cultura, faz-se desse modo uma ação de preservação da sabedoria acumulada nas memórias coletivas.

Embora o jejum seja um elemento significativo na identidade do Ramadã, é a comida, o partilhar a comida, fazer com que todos possam comer com qualidade e quantidade dentro dos princípios da ética religiosa do Islã, é o que marca e identifica a ética e a moral dos seguidores do Alcorão.
Também, marca ainda o Ramadã, o oferecimento de comida por aqueles que podem oferecer, que podem doar comida para aqueles que não teriam uma alimentação condizente neste período de forte afirmação dos muitos papéis sociais que identificam a essencialidade de ser muçulmano.

Assim, após o “Magrib”, oração noturna que precede os rituais coletivos da alimentação conhecidos por “Iftar” em que tradicionalmente esta refeição é iniciada comendo-se tâmaras desidratadas. E a partir deste momento são servidos os diferentes pratos que marcam os sistemas alimentares das populações muçulmanas no mundo.

A tâmara é uma fruta muito relacionada ao imaginário dos hábitos alimentares dos muçulmanos, sendo uma fruta provavelmente originária do norte do continente africano, que se espalhou pelo Oriente médio e pelo mundo.

Refiro-me a espécie Phoenix dactylifera, “tamar” em árabe, fruta que integra diferentes receitas e compõe diferentes cardápios. Por exemplo, na Etiópia é tradicional servir a tâmara acompanhando o café; no mundo Magrebe, esta fruta integra as muitas receitas como o cuscuz de sêmola. E ainda ela está presente na doçaria, na confeitaria e na panificação.

 

Raul Lody

FILHÓS, MALASSADA, COSCORÕES. Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.

Filhós, Malassada, Coscorões

Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.

Momo, filho do sol com a lua, é um mito grego que está no nosso imaginário como aquele que comanda a folia, que se espalha no Ocidente, por meio dos romanos que estão unidas às Saturnálias aos festejos desse gordo e debochado “rei”.

Na Europa, por exemplo, ele é evocado nos rituais do solstício de inverno com bonecos gigantes que são sacrificados nas fogueiras em rituais agrários de renovação, fertilidade e alimentação.

Tudo se remete aos rituais da fertilidade, da colheita, do nascimento, da beleza apolínea, do culto solar; e sempre sob o comando do rei da folia, que quer beber, comer e valorizar tudo aquilo que é sensorial, carnal, porque é Carnaval.

Cabe destacar a cozinha Al-andaluz, que marca a expansão do Islã para o Ocidente. Isto se dá a partir do norte do continente africano, a África mediterrânea, o Magrebe.

A cozinha de matriz afro islâmica está em muitas cozinhas da Europa e, em especial, as dos territórios do Al-andaluz – península Ibérica.

Essas cozinhas que mesclam árabes e berberes, e assim seus preparos culinários, suas escolhas por ingredientes e receitas, formam uma base de identidade culinária que está viva e marcante na mesa brasileira.

As receitas abaixo são especiais do carnaval e, em destaque, os filhoses, que estão presentes no Carnaval de Pernambuco e dos Açores, Portugal.

São comidas sociais, pois presentear com doces é um ato de profundo significado de afetividade e de amizade, como também preparar doces nas casas para serem distribuídos entre os familiares e amigos.

Como é tradicional na cozinha, cada preparo culinário segue uma sequência de rituais, porque a realização da boa receita está muito além do uso dos ingredientes.

O ato imemorial de cozinhar estabelece relações simbólicas e profundas entre cada alimento, seu uso, sua representação e o seu sabor. Isso marca o preparo das massas de farinha de trigo para as receitas dos coscorões, das ‘malassadas’ e dos filhoses.

 

 

FILHÓS, MALASSADA, COSCORÕES. Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.
Foto Jorge Sabino

 

 

Filhós com açúcar e canela

Ingredientes: 350g de farinha de trigo; 250g de açúcar; 10g de fermento; 15ml de leite; 50g de manteiga; 1 ovo; sal, açúcar amarelo, canela e azeite a gosto.

Modo de preparo: bata a manteiga com o açúcar e junte com o ovo e o sal. Misture o fermento à farinha de trigo e faça uma massa. Deixe-a levedar; e então, sobre uma superfície, espalhe a farinha para que a massa se abra. Recorte a massa em pedaços e frite em azeite fervente e pulverize com açúcar e canela.

 

Filhoses de aproveitamento de pão

Ingredientes: 500g de abóbora; 500g de pão; 6 ovos; 2 laranjas; 1 cálice de aguardente; açúcar, canela e leite a gosto.

Modo de preparo: em fatias, embeba o pão no leite, fazendo o mesmo com a abóbora. Junte o pão à abóbora e faça uma massa, acrescentando as raspas e o sumo da laranja, a aguardente e os ovos. Leve a massa à fritura em azeite bem quente e pulverize as porções com açúcar e canela.

 

Malassada

Ingredientes: 1k de farinha de trigo; 60g de fermento de padeiro; 3 copos de leite gordo; sumo de uma laranja; raspas de 2 laranjas; mel de cana ou melado de cana a gosto.

Modo de preparo: misture a farinha de trigo com o fermento e a água. Adicione as raspas e o sumo das laranjas, os ovos e o leite e faça uma massa homogênea, e então deixa levedar. Frite as porções em azeite bem quente e, depois de douradas, cubra-as com generosas colheradas de mel de cana.

 

Coscorões

Ingredientes: 125 g de manteiga; 03 ovos; 02 laranjas; 02 xícaras de farinha branca de neve; açúcar e canela a gosto; 1 cálice de aguardente.

Modo de preparo: bata os ovos com o açúcar, o sumo das laranjas, a manteiga e a farinha. A massa deve lembrar a massa do pão, e assim fica até levedar. Recorte e frite no azeite quente. Polvilhe com açúcar e canela.

Sem dúvida, comer é uma festa, e tudo que se oferece no ritual coletivo é especial e está repleto de significados, porque é preciso comer a festa.

 

FILHÓS, MALASSADA, COSCORÕES. Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.
Foto Jorge Sabino

 

 

FILHÓS, MALASSADA, COSCORÕES. Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.
Foto Jorge Sabino

 

RAUL LODY