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foto Jorge Sabino

Os doces de Cosme e Damião

Entre as muitas festas tradicionais e populares, e que se incluem nas celebrações religiosas de matriz africana interpretadas e abrasileiradas na afro-diáspora, está o ritual, seja familiar ou coletivo, dedicado aos Ibejis, divindades protetoras das famílias e das comunidades no âmbito das tradições ioruba.

Esses rituais religiosos se ampliam e começam a incorporar características regionais do Brasil, com isso se une o imaginário dos santos gêmeos da igreja católica, São Cosme e São Damião, com os Ibejis. Faz-se assim uma das maiores tradições da nossa religiosidade multicultural e multiétnica.

Para se viver as festas recorre-se sempre as comidas e as bebidas, porque as festas são também identificadas pelas comidas que são oferecidas e, desse modo, cria-se um grande acervo que está integrado ao nosso patrimônio alimentar.

E em setembro, na tradição religiosa dedicada aos Ibejis, que são os gêmeos protetores das famílias, das comunidades, os promotores da fertilidade e do nascimento de filhos, é celebrado com o um cardápio à base de inhame, feijão, azeite de dendê.

E no paralelismo religioso com os santos católicos, Cosme e Damião, são oferecidos doces e o prato chamado de caruru de quiabos; e ainda, há o caruru banquete, enquanto um cardápio que inclui além do caruru de quiabos, têm-se acarajé, abará, acaçá, feijão de azeite; vatapá, xinxim de galinha, rolete de cana, aluá, entre outros pratos.

No caso da afro-diáspora no Brasil, entende-se que aquilo que pertence ao mundo infantil está vinculando aos doces, muitos e diferentes tipos de doce; porque houve essa relação direta de que não há nada melhor para agradar uma criança do que algo doce.

Assim, misturam-se os doces artesanais, aqueles de receitas familiares e de identidades regionais aos doces industrializados, numa ampla e diversa oferta de uma doçaria representa a fé. A distribuição de doces passa a simbolizar o cumprimento de uma promessa, e uma celebração para os santos da igreja e para essas divindades infantis ioruba.

Alguns doces são marcantes nestas festas de devoção, tais como: cocadas, bolos, manjares; doces diversos de frutas, quindins, queijadas; pudins, tortas; bombons; entre tantos.

Nas casas, oferecer doces às crianças é como oferecer doces para São Cosme e São Damião, como se esses santos comecem pelas bocas das crianças. E nos terreiros de candomblé, nas festas dos Ibejis, seguindo a maioria, os cardápios tradicionais são feitos à base de azeite de dendê, destaque para o caruru de quiabos, também há o oferecimento de alguns tipos de doces, como cocadas.

Sabe-se, ainda, que todas essas celebrações religiosas, especialmente as familiares, onde se concentram as principais devoções a São Cosme e São Damião, são abertas e sensíveis há diferentes interpretações pessoais, estilos autorais de celebrar estes santos; e com isso se cria um amplo e rico acervo de repertórios devocionais que são representados pela variedade e pela diversidade da doçaria brasileira.

 

RAUL LODY

Daniel do doce - foto Eduardo Gazal

Cocadas, cajus adocicados e quebra-queixos

Daniel do doce e sua família são reverenciados por sua dedicação na arte da doçaria popular.

Um legado.

Seu ponto de vendas está situado no bairro da Ilha do Leite, atualmente conhecido como polo médico do Recife.

Daniel é referência na localidade e responsável por entregar as delícias doces aos frequentadores da região.

Seus principais itens para divertir os paladares são as cocadas, cajus adocicados e o doce japonês, também conhecido como quebra-queixo.

Para registro deste encontro inusitado consegui algumas fotos e um web vídeo.

Aproveitem!

 

 

 

 


 

 

Assista o Daniel do Doce em ação, em filmagem de Eduardo Gazal.

Arroz doce com coco - foto Jorge Sabino

Coco: O doce sabor da Índia

É tradicional nos estudos sobre doçaria ibérica e, em especial, na doçaria brasileira, ter um olhar distanciado da Índia. Contudo, este olhar deveria ser muito próximo, pois as bases históricas e tecnológicas no fabrico de açúcar, da cana-de-açúcar, são estabelecidas na Índia. Refiro-me a Índia tropical, uma região que é muito próxima dos nossos territórios tropicais.

No Brasil, há, então, ambientes propícios para se empreender processos originalmente artesanais para fazer o caldo da cana; para fazer rapadura, melado e açúcar, entre outros produtos.

As experiências dos engenhos de açúcar, na Índia, foram orientadoras para os engenhos da Ilha da Madeira, em Portugal, e que de lá chegam para o Brasil, com os saberes tradicionais de se fazer açúcar, especialmente para o Nordeste brasileiro. E tantas foram e são as receitas de bases comuns entre a Índia e o Brasil, diálogos doces na afirmação de identidades e de patrimônios alimentares.

Entre as muitas relações gastronômicas criadas pelos ingredientes, pelas receitas e pelos usos dos ingredientes, destaca-se o coco, esta fruta tropical tão marcante nos nossos sistemas alimentares de brasileiros.

O Coco, tão nosso, tão brasileiro, tão do litoral Atlântico, porém tão asiático em nascimento e em fonte ecologicamente também tropical, que vem do outro lado desse mundo, possivelmente da Índia.

Falo do Coco nucifera L., que para os orientais é conhecido como a planta providencial, porque do coqueiro de tudo se tira proveito: para alimentação, para manufatura de vestuário, para arquitetura, além de variados objetos artesanais, entre muitos outros usos.

Independente da ocorrência do coqueiro no litoral do Panamá, quando da chegada de Cristóvão Colombo, foram os portugueses que introduziram o coqueiro em Cabo Verde, na África, e daí veio para o Brasil.

Gabriel Soares de Souza informa que: “as palmeiras dão cocos, se dão na Bahia melhor que na Índia (…) foram os primeiros cocos à Bahia de Cabo Verde donde se enchem a terra e onde frutifica dos cinco para os seis anos”. (Souza, Soares de. Notícias do Brasil. São Paulo. s/d)

Na cozinha brasileira, os produtos vindos do coco dão um sentimento e um reconhecimento nativo. Coco para tantos pratos: arroz de coco, feijão de coco, bredo de coco, sururu de coco, tapioca ensopada, camarão de coco, peixe de coco, farofa de coco para acompanhar o pirarucu; pedaços de coco nos balaios juntamente com as pipocas em honra ao orixá Omolu. Também, sobre milho vermelho cozido, tiras generosas do coco para formar a receita do axoxô, prato mais apreciado do orixá Oxóssi – Odé – o caçador.

Ainda, nas receitas de arroz-doce, no tão tradicional cuscuz de farinha de milho, tão nosso, tão brasileiro, e que traz profundas lembranças das técnicas culinárias do Magreb, povos e culturas do norte do continente africano, da região do mediterrâneo.

Um outro exemplo que mostra as fortes relações das cozinhas da Índia tropical com o Brasil está em um dos doces mais populares, refiro-me ao doce de banana de rodela ou de rodelinha, geralmente acrescido de cravo, cravo da Índia, e canela em pau e açúcar. Sem dúvida, uma receita indiana, e que faz parte da nossa tradição de consumir este doce. Nas receitas indianas, pode-se ainda acrescentar leite de coco, cardamomo e manteiga ghee.

Assim, o coco com as suas variadas interpretações, tecnologias artesanais de preparo, faz com que se aproveite tudo desse, tudo o que ele possa oferecer em sabor, em adesão à mesa brasileira.

Em Açúcar (1939) de Gilberto Freyre, o autor pernambucano cita: “…biscoitos de coco, broinhas de coco, cocada, cocadinha, doce de coco, sabongo…”

Ainda, destaque para o doce “sabongo”, receita que traz a ancestralidade de unir coco e açúcar. Entretanto, cria-se uma mistura que se torna famosa, a “tão celebrada cocada”. A nossa brasileiríssima cocada.

Certamente, a cocada é uma das referências mais imediatas da cozinha brasileira quando se pensa no coco. Segundo a receita de Gilberto Freyre no seu livro “Açúcar”, há uma proporção de um quilo de açúcar para um coco.

Trabalha-se a calda, adiciona-se o coco, mantêm-se sempre o olhar vigilante e sensível de quem sabe fazer doce, e percebe a forma, o cheiro, o ponto em que essa mistura se torna a cocada; para aí descansar sobre tábua de madeira até esfriar, e então ser cortada. Observa Gilberto: “põe-se ao sol para secar” (Açúcar, 1939).

Também, é comum o uso do doce de coco para recheios, para trazer o sabor do litoral ou o sabor tropical; ou, ainda, o coco ralado para as coberturas, numa proposta estética do branco dominante, que vem do nosso tão estimado Coco nucifera L.

Assim, o coco, inicialmente exótico como a jaca, a manga, a fruta-pão, a carambola, a graviola; entre tantas outras que se tornaram nossos por pertencimento, que se abrasileiraram, chegaram aqui para formar sistemas alimentares extremamente simbólicos e representativos daquilo que consideramos genuinamente brasileiro.

 

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RAUL LODY

Museu do Açúcar e Doce (MAD)

O mingau de milho e a reza de Santo Antônio

Nas muitas tradições religiosas populares, há sempre um complemento na culminância desses rituais como, por exemplo, o oferecimento de comidas e/ou bebidas. E cada cardápio vai simbolizar o tipo de celebração, também destacar ingredientes que podem mostrar as possibilidades do meio ambiente, e marcar o terroir.

E as festas dos santos de junho, Antônio, João e Pedro, mostram o milho enquanto ingrediente de maior significado que apenas o nutricional, quando ele será consumido em diferentes preparos, e marcará simbolicamente um dos principais papéis da comida que é o de lugar de pertencimento.

Pode-se dizer, ainda, que comer e beber nesses ambientes de festa e religiosidade revela e aproxima a pessoa do que é sagrado, do que é votivo, pois as alimentações coletivas reforçam os mais profundos laços com um sentimento que podemos entender por identidade.

Trago como exemplo a grande fé popular por Santo Antônio, santo português que acompanhou todo o processo histórico da colonização, e que mostra uma grande presença em todo o Brasil, seja por meio da música, da dança, dos cortejos, das trezenas, dos tríduos; e especialmente das comidas de milho.

Na Bahia, notadamente no Recôncavo, são comuns as rezas de Santo Antônio nas casas, nas igrejas e nos terreiros de candomblé, pois os muitos e diferentes processos do chamado sincretismo religioso afirma uma profunda relação sagrada entre Santo Antônio e o orixá Ogum.
Nessa devoção, há uma proximidade, uma intimidade entre Santo Antônio e o devoto, numa relação de amizade e de profundo afeto, faz-se assim uma fé ampliada.

Ainda no contexto do Recôncavo baiano, é comum servir, após as Rezas, um mugunzá feito com milho branco, e, em especial, um mingau no melhor estilo baiano, mingau quase líquido para ser bebido, sendo um mingau de milho amarelo. E assim se expressa a devoção, porque comer a comida da festa é um importante momento de viver a religiosidade.

 

RAUL LODY

Museu do Açúcar e Doce (MAD)

CAFÉ COM “ZABAGLIONE”

Em 8 de maio de 2025, no cardápio oferecido pelo Vaticano por ocasião da eleição do supremo pontífice aparecem duas sobremesas, tradicionalmente italianas: o café com zabaione e uma torta gelada – semifreddo – com suspiros e creme fresco. Com isso, pela oportunidade histórica e acesso a este cardápio, o MAD oferece aos seus leitores e parceiros um olhar gastronômico sobre o café com zabaione.

Popularmente o zabaione é o que podemos chamar de “um tipo de gemada italiana”, cujo processo culinário básico assemelha-se as nossas receitas tradicionais do Brasil.

Destaco esta escolha sobremesa, que faz parte da composição de um cardápio repleto com tantos significados, por ser tão ligada aos hábitos alimentares na Itália. Certamente a receita do zabaione recebe algumas interpretações regionais na Itália, e outras interpretações autorais daqueles que realizam as receitas.

O zabaione nasce da mistura de gemas de ovos e de açúcar, onde há uma proporção, e esta mistura é muito bem batida até que se forme um creme homogêneo e mais esbranquiçado. É um verdadeiro creme, que nesse caso, é servido com café, acrescenta-se o zabaione no café pronto.

Alguns realizam esta receita do creme sem levar ao fogo; outros realizam o creme num processo de cozimento lento que é popularmente conhecido por “banho-maria”. Ainda, pode-se acrescentar alguns tipos de bebidas alcoólicas, e segundo a tradição italiana, uma das mais comuns é o vinho Marsala, porém se pode adicionar conhaque, outros vinhos fortificados, como, por exemplo, o Sagrantino Passito.

Alguns desses estilos certamente estavam presentes na realização da receita na referida ementa, no cardápio de celebração da eleição de novo Papa. E assim, fica este conjunto de considerações para mostrar que as cozinhas tradicionais, geralmente de bases etnoculturais e populares, são as verdadeiramente fundantes de tantos, de muitos sistemas alimentares; além de trazerem muitos significados, muitos simbolismos, nesse caso para a cozinha italiana, e, sem dúvida, para diáspora da cozinha italiana pelo mundo.

RAUL LODY

O arroz de leche no restaurante mais antigo do mundo El Botin em Madri

O arroz de leche no restaurante mais antigo do mundo El Botin em Madri

O famoso restaurante madrilenho El Botin, fundado em 1725, é considerado o mais antigo do mundo. Ele inicia suas atividades como uma hospedaria, já que à época era proibido a venda de comidas prontas em estabelecimentos públicos. Contudo, neste local hoje histórico, os clientes da hospedaria levavam suas carnes, e outros preparos, para serem assadas nos fornos a lenha da hospedaria.

Esta tradição dos assados, dos fornos artesanais à lenha, permanece como marca fundamental da tradição gastronómica deste lugar que é dedicado especialmente aos assados de suínos. Entre os muitos pratos destaca-se o “cochinillo asado”.

Fiel ao meu ofício, e com o desejo de verificar in loco, fui jantar no restaurante El Botin para poder viver e me emocionar com tanta história gastronómica reunida por séculos de funcionamento ininterrupto neste lugar.

Certamente pedi este prato emblemático e identitário do restaurante, o tão famoso “cochinillo asado”, que foi precedido de entradas deliciosas, como as “morcillas”, e para o grande final, um postre também próprio e emblemático das tradições da doçaria espanhola, diria ibérica, que é o arroz de leite, o nosso tão querido e popular arroz doce.

Este preparo doce, que íntegra a civilização Magrebe no território consagrado e conhecido como El-Andaluz, sul da Península Ibérica, chega como um elemento da herança civilizadora de uma longa ocupação feito pelos povos do norte do continente africano na península ibérica durante a expansão do islã para o ocidente.

Assim, nas nossas tradições da doçaria brasileira nós encontramos muitas e diferentes interpretações de receitas, e modos de preparar, do tão estimado arroz doce, uma sobremesa que é tão integrada ao nosso imaginário da doçaria tradicional e popular.

Bem, retomando o tão apreciado arroz de leche do restaurante El Botin, Trago alguns dos ingredientes desta receita que é feita à base de leite de vaca, arroz, cascas de limão Siciliano e de laranja, pau de canela, sal, e canela para polvilhar o prato antes de servir.

E para melhor ilustrar este texto, sege a “carta de postres” do restaurante El Botin recolhida durante o jantar, para marcar a memória e mostrar o seu acervo de doces tradicionais da Espanha.

RAUL LODY

FILHÓS, MALASSADA, COSCORÕES. Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.

Filhós, Malassada, Coscorões

Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.

Momo, filho do sol com a lua, é um mito grego que está no nosso imaginário como aquele que comanda a folia, que se espalha no Ocidente, por meio dos romanos que estão unidas às Saturnálias aos festejos desse gordo e debochado “rei”.

Na Europa, por exemplo, ele é evocado nos rituais do solstício de inverno com bonecos gigantes que são sacrificados nas fogueiras em rituais agrários de renovação, fertilidade e alimentação.

Tudo se remete aos rituais da fertilidade, da colheita, do nascimento, da beleza apolínea, do culto solar; e sempre sob o comando do rei da folia, que quer beber, comer e valorizar tudo aquilo que é sensorial, carnal, porque é Carnaval.

Cabe destacar a cozinha Al-andaluz, que marca a expansão do Islã para o Ocidente. Isto se dá a partir do norte do continente africano, a África mediterrânea, o Magrebe.

A cozinha de matriz afro islâmica está em muitas cozinhas da Europa e, em especial, as dos territórios do Al-andaluz – península Ibérica.

Essas cozinhas que mesclam árabes e berberes, e assim seus preparos culinários, suas escolhas por ingredientes e receitas, formam uma base de identidade culinária que está viva e marcante na mesa brasileira.

As receitas abaixo são especiais do carnaval e, em destaque, os filhoses, que estão presentes no Carnaval de Pernambuco e dos Açores, Portugal.

São comidas sociais, pois presentear com doces é um ato de profundo significado de afetividade e de amizade, como também preparar doces nas casas para serem distribuídos entre os familiares e amigos.

Como é tradicional na cozinha, cada preparo culinário segue uma sequência de rituais, porque a realização da boa receita está muito além do uso dos ingredientes.

O ato imemorial de cozinhar estabelece relações simbólicas e profundas entre cada alimento, seu uso, sua representação e o seu sabor. Isso marca o preparo das massas de farinha de trigo para as receitas dos coscorões, das ‘malassadas’ e dos filhoses.

 

 

FILHÓS, MALASSADA, COSCORÕES. Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.
Foto Jorge Sabino

 

 

Filhós com açúcar e canela

Ingredientes: 350g de farinha de trigo; 250g de açúcar; 10g de fermento; 15ml de leite; 50g de manteiga; 1 ovo; sal, açúcar amarelo, canela e azeite a gosto.

Modo de preparo: bata a manteiga com o açúcar e junte com o ovo e o sal. Misture o fermento à farinha de trigo e faça uma massa. Deixe-a levedar; e então, sobre uma superfície, espalhe a farinha para que a massa se abra. Recorte a massa em pedaços e frite em azeite fervente e pulverize com açúcar e canela.

 

Filhoses de aproveitamento de pão

Ingredientes: 500g de abóbora; 500g de pão; 6 ovos; 2 laranjas; 1 cálice de aguardente; açúcar, canela e leite a gosto.

Modo de preparo: em fatias, embeba o pão no leite, fazendo o mesmo com a abóbora. Junte o pão à abóbora e faça uma massa, acrescentando as raspas e o sumo da laranja, a aguardente e os ovos. Leve a massa à fritura em azeite bem quente e pulverize as porções com açúcar e canela.

 

Malassada

Ingredientes: 1k de farinha de trigo; 60g de fermento de padeiro; 3 copos de leite gordo; sumo de uma laranja; raspas de 2 laranjas; mel de cana ou melado de cana a gosto.

Modo de preparo: misture a farinha de trigo com o fermento e a água. Adicione as raspas e o sumo das laranjas, os ovos e o leite e faça uma massa homogênea, e então deixa levedar. Frite as porções em azeite bem quente e, depois de douradas, cubra-as com generosas colheradas de mel de cana.

 

Coscorões

Ingredientes: 125 g de manteiga; 03 ovos; 02 laranjas; 02 xícaras de farinha branca de neve; açúcar e canela a gosto; 1 cálice de aguardente.

Modo de preparo: bata os ovos com o açúcar, o sumo das laranjas, a manteiga e a farinha. A massa deve lembrar a massa do pão, e assim fica até levedar. Recorte e frite no azeite quente. Polvilhe com açúcar e canela.

Sem dúvida, comer é uma festa, e tudo que se oferece no ritual coletivo é especial e está repleto de significados, porque é preciso comer a festa.

 

FILHÓS, MALASSADA, COSCORÕES. Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.
Foto Jorge Sabino

 

 

FILHÓS, MALASSADA, COSCORÕES. Os doces sabores do Carnaval em Portugal e no Brasil.
Foto Jorge Sabino

 

RAUL LODY

 

 

Biscoitos do Nordeste: bons de ver e bons de comer

Sem dúvida, para a confeitaria e a panificação a categoria biscoito torna-se um campo plural e diverso que apresenta inúmeras possibilidades de receitas, de tipos, e certamente de sabores. Isto também irá atestar as possibilidades dos ingredientes conforme cada terroir.

Provavelmente as primeiras massas de biscoito foram produzidas no século XVII, na França, para a fabricação do “biscoito do rei”, embora outras referências tragam informações sobre o amplo ciclo das Grandes Navegações realizadas por Portugal, onde alguns tipos de biscoitos especiais tornavam-se o principal alimento durante estes processos de longas viagens pelos oceanos, que se pode datar no final no século XV.

É importante observar que o biscoito tornou-se um alimento do cotidiano já há muito tempo, normalmente um biscoito doce que está presente em diferentes tipos de refeições, para atender aos mais diferentes desejos, interesses e paladares.

No caso brasileiro, vale destacar que as muitas possibilidades de biscoitos que são oferecidos nas confeitarias, padarias, feiras e mercados populares, possibilitam um acesso às muitas receitas, que ganham com o tempo suas tendências regionais, autorais. E assim suas receitas marcam a identidade de doceiras, de confeiteiros; e de estabelecimentos em que estes produtos são comercializados.

No caso do Nordeste, são inúmeros os biscoitos que seguem as mais tradicionais receitas, e oferecem identidade para esse verdadeiro valor patrimonial na cultura alimentar da região.

Dentre essa tão rica tipologia, quero destacar o tão querido e popular bolachão, que se distingue por ter um formato avantajado, de ser um pouco mais rijo que a maioria dos biscoitos, e de proporcionar grande saciedade.

A partir deste olhar, quero trazer alguns tipos das chamadas bolachas/biscoitos mais consumidas, mais populares no comércio, e que mostram também os diferentes processos de invenção, de reinvenção, e de manutenção de receitas centenárias, que certamente chegaram de além-Atlântico.

Então vamos conhecer os biscoitos de: queijo, alho, manteiga, churrasco; coco seco, cebola roxa, nata, extra fina; passa-raiva, nata-goiaba, charque, Suíça, mata-fome; canela-fofa, sete-capas, integral, sequilho; bolo de goma, mesclado, água e sal, sodinha; meia-lua alho, língua-de-sogra, Maragogi doce, lua-cheia queijo, regalia; praieira, trufado goiaba, trufado chocolate.

Verdadeiramente para conhecer os biscoitos do Nordeste é preciso experimentar, é preciso comer para perceber suas texturas, seus ingredientes, seus aromas, e seus sabores.

E assim, certamente, estas experiências gastronômicas trarão grandes referências para o conhecimento e para o reconhecimento dessas comidas doces, na sua maioria, já tão nacionalizadas, tão abrasileiradas.

 

Raul Lody

Tareco - Foto Eduardo Gazal

Tareco – na mesa do rico e na mesa do pobre

Texto e fotos: Eduardo Gazal

Dentro da doçaria pernambucana, que se estende aos estados vizinhos, encontraremos o tareco.

São biscoitinhos doces, com formato arredondado e coloração dourada.

Todos conhecem, agrada às crianças, adultos e pessoas com idades mais avançadas.

Seu sabor é inconfundível e sofre pequenas alterações independentemente dos locais de sua manufatura.

Encontramos para venda em padarias, mercadinhos e nas estradas.

O tareco é unanimidade como guloseima doce. Um verdadeiro ‘diverte bocas’.

 

 

 

Para o embasamento mais acadêmico, o livro Dicionário do Folclore Brasileiro (em sua 12ª edição, de 2012), de Luís da Câmara Cascudo, relata o seguinte:

“Tareco. Bolinho torrado, feito de farinha de trigo, ovos e açúcar, redondinhos e saborosos. Indústria pernambucana, que se popularizou pelos estados vizinhos, o tareco é oferecido aos passageiros dos comboios que demandam o Recife, e conhecido por todas as idades. Data, ao que parece, dos primeiros anos do século XX”.

 

Tareco - Foto Eduardo Gazal
Dicionário do Folclore Brasileiro, Luis da Câmara Cascudo – Foto Eduardo Gazal

 

 

 

 

Natal Tropical - MAD - Foto Jorge Sabino

Um Natal com doces de frutas tropicais

Os imaginários tradicionais e populares trazem muitas referências sobre comidas e bebidas que devem compor as tão celebradas ceias de Natal. Contudo, estes imaginários referem-se a dietas alimentares do hemisfério norte.

Lá, onde neste momento, dezembro é o inverno, onde muitas localidades têm inverno rigoroso, repleto de neve. Cá, no hemisfério sul, vivemos um verão pleno, muito sol e calor, sendo esta também a temporada de muitas frutas, como a manga, o caju, o abacaxi, entre outras que compõem os nossos hábitos alimentares durante todo o ano. Neste ambiente de frutas, quero destacar a banana, na sua variedade de tipos e de sabores. Certamente uma fruta tropical emblemática.

Desse modo, em dezembro é comum realizarmos as nossas ceias com assados de carnes de diferentes tipos, com molhos acrescidos de muita gordura; além disso, acrescentamos os doces estão repletos de cremes, as frutas cristalizadas, porque copiamos as celebrações da Europa, onde no inverno as frutas são mais raras, e por isso são glaceadas para serem consumidas nas festas de fim de ano. As bebidas são também a base de vinhos tintos, licores e o outros mais adequados a estação de inverno. Também, compõem esses cardápios algumas frutas secas como: nozes, amêndoas, avelãs, uvas em forma de passas; entre outras comidas muito mais apropriadas para o inverno.

Então, porque não pensar em opções de ceias mais adequadas ao nosso verão, verão sempre muito quente, onde as comidas e as bebidas devem ser muito mais refrescantes, tropicalizadas, para assim serem melhor apreciadas integradas ao nosso meio ambiente.

Ainda, neste olhar sobre a ceia tropical de Natal, quero destacar como é interessante gastronomicamente, e certamente muito saboroso, o consumo de frutas in natura, para aproveitarmos o seu sabor na intensidade, perceber a beleza da cor e da textura de cada fruta.

Certamente são tantas as opções de frutas, frutas do cotidiano, frutas que fazem parte das nossas referências de brasileiros. E a banana está integrada neste amplo imaginário que idealiza nesta fruta uma imagem do que é tropical. E mesmo ela sendo procedente da Ásia, a banana passou a ser uma fruta assumidamente brasileira.

Ela é um verdadeiro ícone tropical. A banana traz sua luxuriante cor imersa no sol. Isto tudo faz com que haja um entendimento, e uma ampla agricultura de povos nativos da América Latina e do Caribe idealizados como paraísos tropicais.

Gilberto Freyre tem assumidamente um método preferido de análise social que se dá por meio da comida. Ele busca criar uma verdadeira mentalidade de nacionalização de produtos, de cozinhas, de receitas; e de hábitos alimentares que identifiquem o brasileiro. É uma verdadeira busca por comidas de identidade.

“Porque em relação a natureza, não pensamos ainda, nesses, quatrocentos anos, de inquilinos a donos (…) Não merecemos a palmeira, nem o juazeiro, nem o tamarineiro. Merecemos, talvez o mamoeiro e a bananeira, já muito nossas”.
(Freyre, Gilberto. Um paradoxo para o Recife In “Diário de Pernambuco”, anos 1920)

Gilberto mostra as opções de frutas da região e de frutas exóticas, e mostra também que estas frutas devem assumir suas próprias falas culinárias, integrar os hábitos, e ampliar as opções dos alimentos. Tudo localiza um sentimento que leva a valorização dos produtos locais, e traz a comida como uma referência de lugar, uma indicação de terroir.

Assim, há uma leitura avançada, para os anos 1920, sobre ecologia e sobre a comida nos contextos da cultura e, em especial, do patrimônio alimentar brasileiro. Mais tarde, nos anos 1930, ele publica pela primeira vez em língua portuguesa a palavra ecologia no seu livro “Nordeste”, e esta obra pioneira localiza uma civilização a partir de uma fruta exótica, a cana sacarina.

O açúcar da cana de açúcar une-se às frutas nativas para formarem uma rica e diversa cozinha de doces, de doces ibéricos que foram tropicalizados, abrasileirados.

Gilberto aponta para os hábitos alimentares locais, e dá destaque para a banana, fruta há muito integrada à mesa regional. Fruta do cotidiano e que está nas mesas desde o café da manhã até as sobremesas mais elaboradas, como a tão estimada “cartola”. Preparo feito a partir da banana-prata, bem madura; queijo de manteiga, açúcar e canela.

As frutas tropicais nativas como o caju, o abacaxi, a pitanga, a goiaba, o araçá, misturam-se com outras frutas tropicais exóticas, vindas do Oriente, como a jaca, a manga, a graviola, a fruta-pão, o jambo, entre tantas que já se abrasileiraram, e que fizeram do Brasil seu território de representação e de identidade.

Com diferentes frutas, há o costume de se fazer duas preparações culinárias tradicionais, as frutas em calda e os chamados doces de “massa”. Isto mostra também os diferentes aproveitamentos das frutas, pois as receitas de doces são formas de conservar e ampliar o consumo das frutas.

Há os doces em calda, muitas vezes acompanhados de complementos como queijos. São doces para serem apreciados dentro de compoteiras de vidro ou de cristal. As frutas nas caldas, em ponto de fio, quase transparentes, para poder revelarem a cor e o brilho de cada fruta.

E ainda, há outras percepções que os doces promovem durante o seu preparo, são os odores, seja da fruta ou das especiarias como o cravo, a canela, ou outra; que faz quem está dentro da casa ou da cozinha ir até o fogão, e reconhecer a assinatura da doceira daquela receita familiar.

Sem dúvida, estão nas receitas familiares as mais importantes memórias pessoais; e, desta maneira, cada prato traz referências, e sentidos especiais, para a ritualidade da casa e das relações hierarquizadas da própria família. A receita do doce de banana de rodelinha, uma receita feita com quantidades e modos subjetivos, pessoais, possibilita que este doce tenha tantos acréscimos e assinaturas de temperos, de especiarias, que marcam cada preparo, cada maneira de se fazer este doce.

Por exemplo, os memoriais “Cadernos de receitas de D. Magdalena”, mulher de Gilberto, mostra uma receita do doce de banana de rodelinha que era feita na sua casa em Apipucos: duas dúzias de bananas-prata, maduras, cortadas em rodelas, três xícaras de açúcar, e água. Cozinhe as bananas com o açúcar em água suficiente que dê para cobrir. Adicione cravo, se quiser. (Receita do livro “À Mesa com Gilberto Freyre”. Org. Raul Lody. Ed. Senac Nacional, 2004).

Assim, geralmente os doces de frutas são feitos de forma muito simples, e o ponto do doce é que dá a qualidade autoral e emocional ao doce.

São tantas opções de doces de frutas, doces também para serem apreciados na sua estética, na beleza da sua cor, da sua forma; beleza que sugere o seu consumo, porque tudo isso se inclui no entendimento pleno da alimentação.
E ainda mais quando essa alimentação é festiva e de celebração, e aí novamente trago o amplo diverso processo de festejar o Natal, certamente festejar pela boca, com as comidas e com as bebidas mais adequadas ao nosso clima.

Certamente a presença de doces de frutas, de doces festivos do Natal com as frutas tropicais, fazem desta festa, uma festa mais nossa, mais brasileira, multiculturalmente brasileira.

RAUL LODY