Categoria: Destaque do mês

Bolo Barroco - Museu do Açúcar e Doce (MAD)

O Bolo Barroco

Barroco é um estilo artístico que começa na Europa; e, em especial, na Itália, a partir do século XVI, e se estende por outros países, povos e culturas, inclusive nas colônias de Portugal, até chegar ao Brasil.

O auge do Barroco foi nos séculos XVII e XVIII, valoriza-se o luxo por meio do uso do douramento empregado em muitos elementos decorativos, e a religião volta-se a mais ampla e alegórica celebração da fé.

É o ouro que chega às igrejas, que chega aos palácios, às indumentárias. O douramento invade os hábitos e os costumes, sendo amplamente valorizado no trabalho de escultores, de joalheiros, de costureiros, entre outros ofícios que louvam a Deus.

Este estilo no Brasil é chamado de Barroco tardio, por ter se fixado especialmente nas igrejas nos séculos XVIII e início do XIX; chamado também de arte colonial.

O Barroco marcou imaginários perante a fé e tocou noutras manifestações, como nas técnicas artesanais que possibilitavam revelar os desenhos, os volumes, e nos materiais que pudessem traduzir este estilo nas casas, nas mobílias, nas roupas, na gastronomia, e, em especial, na doçaria.

Afirma-se que o Barroco está e compõe a nossa arte popular, especialmente no artesanato de rendas e bordados, nos entalhes sobre madeira de muitos escultores, na pintura; entre muitas outras formas de expressar luxo e riqueza por meio de elementos visuais. Este imaginário traz motivos recorrentes às igrejas coloniais, as roupas e aos objetos, que bem definem um estilo que revelava um novo conceito de morar e de se relacionar com o corpo.

Na confeitaria são muitos os exemplos de delícias doces que se apresentam barrocamente como nas joias e nos entalhes, e que mantém o imaginário do douramento do Barroco.

Na confeitaria, os bolos tradicionais, que são confeitados com glacê à base de açúcar, são verdadeiras expressões dos volumes dos entalhes e dos desenhos das suas volutas que se entendem como de estilo Barroco. Assim, mantidos na estética, e no conceito de beleza, o bolo guarda a identidade deste estilo que busca o imaginário da nobreza, e se pode dizer que muitos doces são verdadeiras joias barrocas feitas de açúcar.

Raul Lody

Doce ibéricos para o Natal - Museu do Açúcar e Doce

Docemente ibéricos para o Natal

Há um grande entendimento histórico sobre os doces relacionados às celebrações, pois o doce é também revelador de um processo culinário especial, que agrega uma valorização estética, uma produção autoral e/ou tradicional, e que atende diferentes calendários festivos.

E quando se aproximam as celebrações do Natal com um amplo ciclo de base cristã que culmina no dia dos Santos Reis Magos, em 6 de janeiro; e, assim, vivem-se cardápios memoriais e patrimoniais.

Sabemos que as receitas especiais para os cardápios das festas, neste nosso ambiente multicultural, são amplíssimas e têm como base a cozinha ibérica, e, em destaque, a cozinha portuguesa. Uma cozinha transcontinental que traz os sistemas alimentares, e muitos saberes culinários, do Ocidente e do Oriente.

Tudo isso está à mesa para marcar e revelar a doçura necessária nas manifestações das festas e da religiosidade. Dessa maneira, preserva-se memórias ancestrais e fundantes das muitas cozinhas regionais, e mesmo nacionais em âmbito brasileiro.

Além das tão celebradas rabanadas, fatias de parida ou fatias douradas, há muitos e diferentes bolos e tortas que seguem processos autorais, de criação e de expressão gastronómica regional.

Também para este rico acervo de doces, temos as roscas de reis ou o tão consagrado bolo-rei, que lembra uma coroa, remetendo-se as coroas dos três Reis Magos do Oriente. Um doce marcante nas cozinhas ibéricas, e crescentemente nas nossas celebrações de brasileiros.

Ainda, os filhóses, os coscorões, e outros “fritos” feitos à base de farinha de trigo e que podem ser recheados; que também estão nas nossas cozinhas, tão multiculturais e multiétnicas, destacadamente portuguesas. E nestes contextos dos fritos, quero trazer as azevias, verdadeiros pastéis recheados de doce de grão-de-bico, e por isso conhecidos como fritos de grãos. São muitos sabores, muitas referências, muitas memórias; e muitas criações doces para se viver a festa e a religiosidade à boca.

 

 

RAUL LODY

rapadura - MAD Museu do Açúcar e Doce

Rapadura: Um mercado historicamente global

O açúcar é um produto global que foi amplamente difundido a partir das Grandes Navegações de Portugal nos séculos XV e XVI. Inicialmente, este produto era uma especiaria ou pela sua raridade um presente oferecido como uma quase joia, e circulava exclusivamente pela realeza e pelo clero.

No âmbito da arqueologia da alimentação, sabe-se que há mais de 5000 anos na China, realizavam-se processos artesanais para obtenção do açúcar a partir do caldo da cana-de-açúcar. São registros que mostram o açúcar granulado, com características sólidas que, provavelmente, resultava da secagem ao sol, e seguia para o consumo.

A formatação do açúcar em tabletes, e em outros formatos retangulares, chamados de rapadura, começa a ser produzida em larga escala para alcançar um consumo cada vez mais ampliado; também, abastecer as muitas embarcações que aproximavam o Oriente do Ocidente, como as Grandes Navegações de Portugal.

Na Índia, consegue-se os principais processos da produção do açúcar, e seus muitos produtos, como o melado; e, destaque para diferentes tipos de rapadura. Estes processos tecnológicos, e seus equipamentos, da Índia para o fabrico do açúcar, constituem a base para os nossos engenhos de açúcar, numa verdadeira civilização, que é conhecida no Brasil como civilização do açúcar.

Ainda, há o valor nutricional da rapadura que inclui carboidratos, minerais tais como: potássio, cálcio, magnésio, fósforo, sódio, ferro, manganês, zinco e cobre; e as vitaminas: B1, B2, B5, B6, D2, E.

Assim, cada vez mais, associa-se a difusão e o consumo dos diferentes tipos de rapadura dentro de um entendimento de alimentação saudável, e que recupera importantes bases de sistemas alimentares tradicionais, e que marca uma expressão patrimonial.

 

 

 

RAUL LODY

vinho de caju - Museu do Açúcar e Doce

O doce vinho de caju

Há um olhar dominante para o vinho como uma bebida feita apenas a partir de diferentes tipos de castas de uvas. Contudo, ocorrem nas nossas tradições gastronómicas outros tipos de bebidas chamadas de vinhos, que são também feitos de frutas, porém muitas delas frutas de terroir brasileiro. E, entre elas, quero destacar o caju, essa fruta tropical da nossa Mata Atlântica.

Pastel de Nata - Museu do Açúcar e Doce, foto Jorge Sabino

Pastel de Nata: das tradições de Portugal para a mundialização nas confeitarias

O amplo consumo do pastel de nata fez com que esse bolo português passa a integrar diferentes rituais da alimentação mundial. O pastel de nata é servido para acompanhar um café, como uma sobremesa, como um presente afetivo, ou mesmo para cumprir aquele momento de gula e comer no balcão de uma confeitaria, seja um, dois ou mais pastéis de nata.

Pão Recife - Museu do Açúcar e Doce

Pão Recife

A Padaria é um dos campos mais expressivo, e diverso, da produção alimentar que faz parte de diferentes segmentos sociais, culturais e étnicos. E neste universo da padaria, há diferentes interpretações de receitas, formas criativas de expressar resultados culinários, e formas de manifestar identidade por meio de um produto comestível.

No caso da padaria popular e tradicional do Recife, há uma vasta produção que se afirma no ofício ancestral do padeiro, e que se une, em muitos casos, ao ofício do confeiteiro. Assim, pode-se encontrar nas padarias do Recife o pão-Recife certamente um atestado de singularidade e de afirmação de identidade alimentar.

Agrega-se ao pão Recife um conjunto de pães com nomes singulares, o pão carteira, o pão crioulo, o pão baiano, o pão bolachão, o pão francês, regionalmente conhecido por brasileirinho, o pão tabica, o pão de leite, o pão português; entre tantos, muitos, que são distinguidos pela estética e pelo sabor.

Sem dúvida, há uma grande correlação e conexão no ofício da nossa padaria com a padaria ibérica e, em especial, com uma padaria portuguesa, porque muitas das receitas, dos tipos de pães, e das características culinárias e alimentares estão relacionadas com as bases civilizadoras lusitanas.

Neste campo, integram-se também certos tipos de bolo como, por exemplo, o pão-de-ló, um alimento que está entre o pão e o bolo, as boleimas, os folares, as regueifas, as fogaças, os tabuacos, e outros casos que trazem receitas e sabores do que entendemos na padaria com tipos especiais de pães.

Ainda, pode-se agregar a estas bases etno culturais algumas referências e estilos de pães e da confeitaria com possíveis presenças holandesas, italianas; e alemães; em virtude da forte imigração para o Brasil de povos saxões. Assim, permanece muitas referências e formas identitárias de manifestar alteridade nas comidas.

O pão Recife de base de trigo branco, diria levemente adocicado por causa de um tipo de farofa feita de farinha de trigo, manteiga e açúcar, que recobre o pão. É um pão do cotidiano que está presente desde o café da manhã, no lanche da tarde, até noutros momentos em que o pão é uma excelente base alimentar, seja acrescido de manteiga, de queijo, ou de outros produtos que fazem o ideal e o entendimento da refeição.

Assim, a padaria traz muitas receitas de pães doces, com diferentes acréscimos como coco ralado, creme de ovos, goiabada, açúcar cristal, frutas cristalizadas, entre tantos outros ingredientes que se agregam as receitas feitas à base de farinha de trigo para expressarem regionalismos e identidade para as ofertas e os hábitos alimentares e, em especial, para o ato civilizatório de se comer pão.

 

 

RAUL LODY

 

 

Pastelaria Casa Brasil - Museu do Açúcar e Doce

Pastelaria Casa Brasileira, um doce centenário (1922-2022)

Localizada na Rua Augusta, na querida Lisboa, a Pastelaria Casa Brasileira afirma-se como uma casa do bem-comer. Bem-comer especialmente os doces e os pães, que mostram a sua longa tradição de preservação das receitas de Portugal, e de outras que ampliam o seu sentido ibérico.

E assim, a cada dia, há um ritual de sabores, de descobertas e de experiências gastronômicas, que são reveladoras nas diversas formas de viver o doce, o açúcar da cana-de-açúcar, as receitas, muitas delas que chegaram dos conventos, numa longa tradição medieval e renascentista de Portugal.

 

 

Pastelaria Casa Brasil - Museu do Açúcar e Doce
Foto Jorge Sabino

 

 

Ainda, outros doces que chegam das tradições das casas, dos costumes populares, das receitas autorais. Sempre na presença marcante dos ovos e, em especial, das gemas; mas também das amêndoas, do trigo, e das diferentes especiarias, que mostram uma verdadeira mundialização de sabores deste, Portugal já globalizado pelas Grandes Navegações que uniu o Ocidente ao Oriente.

Estes acervos culinários afirmam os sistemas alimentares que são referenciados pelo que é doce, pela cultura colonial, pela ocupação colonial na plantation de cana-de-açúcar, especialmente no Brasil; onde os doces vindos de Portugal criam adaptações e se tornam os nossos doces, feitos com frutas nativas, e muitos outros ingredientes que marcam os nosso terroir.

 

 

Pastelaria Casa Brasil - Museu do Açúcar e Doce
Foto Jorge Sabino

 

 

De volta à Portugal e, em especial, Lisboa, continuamos o nosso passeio de apreciação dos doces, apreciação das vitrines, verdadeiras vitrines-doces. Os doces são exibidos para provocar o desejo, o desejo de descobrir sabores, relembrar uma memória doce. A vitrine do doce compreende que o doce para ser desejado tem que ser bonito, porque antes se come a sua imagem, só depois se come os ingredientes.

Pode-se viver a emoção à boca: brisas de Lis; lampreias de ovos; pão-de-ló; pão-de-ló de Ovar; pastéis; queijadinha de ovos; queijada de Évora; pingos; tochas; pastel de Tentugal, pastel de nata; travesseiros de Sintra; folar de Chaves; folar Val Paços; coscorões; bolo caseiro de amêndoas; bolo-rei; reizinho; bolo-rainha; bolo mármore; bolo inglês; bolo-rei com fios de ovos; bolo-rei chocolate, entre tantos. Ainda, as broas, outras delícias de comer e desse viver Portugal à boca: broa castelar, broa reis moinhos, broa da Espanha, broa de mel, broa de milho.

 

 

Pastelaria Casa Brasil - Museu do Açúcar e Doce
Foto Jorge Sabino

 

 

E assim, após um século adoçando a todos que admiram sua vitrine, e possibilitando interpretar lugares através dos seus doces, está a Pastelaria Casa Brasileira, em Lisboa, para nos oferecer suas receitas tradicionais.

Viva!!!
Viva mais cem anos, e sempre “portugalmente” doce.

 

 

RAUL LODY

Dicionário do Doceiro Brasileiro - Museu do Açúcar e Doce

130 anos do Dicionário do Doceiro Brasileiro

“Havia então no Brasil a preocupação de comer bem; nossas avós dedicavam à mesa e à sobremesa o melhor do seu esforço; era a dona da casa que ia à cozinha para provar o ponto dos doces; era a senhora de engenho quem dirigia o fabrico do vinho de jenipapo, do de caju, dos licores; à mesa de jantar rebrilhavam (...) as baixelas de prata”. (Freyre, Gilberto)

A longa e diversa experiência histórica e cultural com o açúcar da cana sacarina fundamenta o “Dicionário do doceiro brasileiro. Contendo mais de 900 receitas, na maioria novas, de doces de todas as qualidades, obra de maior utilidade até hoje conhecida e dedicada especialmente as mães de família pelo Dr. Antônio José dos Santos Rego” (1892).
O Dicionário é um rico e amplo memorial dos processos culinários, ingredientes, receitas e indicações de uso e de consumo do doce no Brasil.

Para melhor entender sua dimensão documental e patrimonial, o Dicionário criado e publicado originalmente no século XIX é também um retrato social e econômico do Brasil escravocrata, dos movimentos de uma república face ao império, dos contextos internacionais da Revolução Industrial, dos movimentos artísticos, da busca na belle époque do bem comer e do bem beber. Ainda os sentimentos de nacionalidade tocados em um Brasil eminentemente afrodescendente que, contudo, à época se sentia muito europeu e principalmente francês. Vive-se ainda a chegada organizada das imigrações da Itália, Alemanha, Japão e os sírio-libaneses, genericamente chamados de turcos. Nesse rico caldeirão pluriétnico e pluricultural são organizadas e publicadas as preciosas e históricas receitas do Dicionário.

As receitas demonstram estilos, matrizes étnicas, e aproximam, pelos ingredientes, cada vez mais o Oriente, tão marcado na formação social, cultural e econômica do açúcar do sudeste asiático. Traz também as formas de civilizar pelos caminhos e rotas das especiarias, tocando na formação de hábitos à mesa, na formação de paladares, fenômenos que nascem nas experiências da cultura. Ingredientes quase inseparáveis, o cravo e a canela, como o açúcar e os ovos, além das massas que chegam das farinhas do Reino – de trigo – fubá de milho, fubá de mandioca ou carimã, fubá de cará, além das águas perfumadas de rosa e de laranjeira, e certamente do olhar e da emoção perante as caldas.

O Dicionário é um documento memorial, histórico, gastronômico e antropológico da nossa doçaria multicultural.
Destaco a minha alegria em organizar a 2ª edição deste Dicionário pela Editora Senac São Paulo em 2010.

RAUL LODY