Categoria: Mostra temporária

Mangaba - Museu do Açúcar e Doce

Mangaba, “fruta que o gosto gruda e não sai”

Texto e Fotos por Josué Francisco da Silva Júnior*

“Não sei se a América produz alguma fruta mais bela e gostosa”.

Assim começa a descrição do médico e naturalista Guilherme Piso sobre a mangaba na sua magnífica “Historia Naturalis Brasiliae”, obra-prima escrita com a colaboração de George Marcgraf. Foram eles os primeiros cientistas no Novo Mundo e vieram para Pernambuco na corte de Maurício de Nassau. A mangaba estava entre as frutas prediletas dos holandeses e, diga-se de passagem, foi também uma das primeiras a serem registradas pelos cronistas e viajantes ainda no século XVI.

…é coradinha que nem mangaba do areal. (Fragmento do romance Inocência, do Visconde de Taunay, 1872)

A árvore graciosa de copa chorona, companheira elegante do muricizeiro e do cajueiro nos tabuleiros do Nordeste, como bem disse o explorador alemão Robert Avé-Lallemant, produz frutos redondos ou ovais de diferentes tamanhos e de aroma e sabor únicos. A cor amarelo-esverdeada salpicada de encarnado completa a sua singularidade.

Quando não está totalmente madura a mangaba exsuda um “leite” que gruda nos lábios. Aliás, o verso tomado de empréstimo ao compositor João Santana para o título deste artigo revela lindamente esta característica. O nosso poeta maior João Cabral de Mello Neto também o fez de forma precisa no seu melhor estilo para os Jogos Frutais:

…Mangaba, deixas em quem te conhece visgo, borracha.

Vem da época pré-colombiana o consumo da mangaba ao natural pelos povos indígenas que habitavam o Brasil e que também nominaram a fruta. Mangaba quer dizer “coisa boa ou que serve para comer”, na língua tupi. Os índios também já fabricavam uma espécie de vinho a partir da mangaba, como relatou o Padre Fernão Cardim, ainda no início do período colonial.

A coleta da mangaba nativa nos tabuleiros e restingas do Nordeste, bem como todas as atividades relacionadas à fruta, são um trabalho quase que exclusivo das mulheres, conhecidas como “catadoras de mangaba”. Alguém já disse que mangaba é só pra quem sabe colher. Elas dividem o seu dia a dia entre a mangaba, o mangue, a casa e tudo o mais. Com conhecimentos repassados há gerações, ainda possuem um vocabulário particular cheio de palavras incomuns para a cata da fruta: capota, enfornar, abafemar, de baque, birrinho, baceira, venha-a-nós…

… mangaba, fruta que pode ser estimada entre as boas que há no mundo… (Fragmento dos Diálogos da Grandeza do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão, 1618)

Mangaba é fruta de verão, de praia, de sol, de areia. É quase um reclame turístico. Chupar mangaba madurinha “de queda” debaixo do pé é uma experiência que só viveciando para sentir. Misturada com farinha mata a fome do povo do litoral na roça ou na pescaria.

Olha é de capota, ou é de caída é adocicada, amadurecida… Boca de alto-falante bem de longe se escuta, com cesto na cabeça na praça ou na feira anuncia a fruta: Olha a mangaba! (Fragmento da canção Mangaba Madura, de Nino Karvan)

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A venda da mangaba nas feiras e mercados, nas margens das estradas ou nas portas das casas é elemento obrigatório da paisagem alimentar de muitos lugares do litoral nordestino. O pregão do vendedor “Ô mangaba, ô mangaba… Mangaba, olha a mangaba!” soa nas ruas como o chamado de um muezim. No entanto, são os produtos confeccionados a partir do fruto os verdadeiros néctares e ambrosias do nosso trópico.

Uma das mais nobres frutas desta América é a mangaba, de que se faz rica conserva, bem estimada ainda fora da sua pátria… (Fragmento da obra Frutas do Brasil numa Nova e Ascética Monarquia Consagrada à Santíssima Senhora do Rosário, por Frei Antônio do Rosário, 1702)

Foi da mangaba um dos primeiros registros de uma fruta conservada em açúcar. Está lá no Tratado Descritivo do Brasil, de 1587, de autoria de Gabriel Soares de Sousa. No tempo dos flamengos, a conserva de mangaba foi usada pelos padres católicos para obter favores ou cair nas graças de Nassau. Numa ocasião, foram ofertados ao Conde quatro barris do extraordinário doce de calda translúcida.

Sorvete, é de mangaba! (Pregão do Recife)

Gilberto Freyre afirmava que as chamadas “frutinhas do mato”, como a mangaba, amadas pelo povo, também tiveram sua fase de esplendor à mesa patriarcal, servidas como doce, geleia ou sorvete. E ele recomendava em seu Pequeno Guia da Cidade do Recife: “a mangaba, o turista deve preferi-la sob a forma de refresco. Ou então de sorvete”. Para Josué de Castro, “o sorvete de mangaba goza, merecidamente, do melhor conceito: é saboroso”. E Jorge Amado deu um jeito de inserir esse ícone da mangaba no reencontro de Tieta com Chalita, no romance Tieta do Agreste: “Quem pode te esquecer, Tieta? Sorvete de mangaba, Leonora não conhece…”

A globalização e a rapidez com que as mudanças nos hábitos alimentares foram acontecendo nos últimos anos fizeram com que novos produtos à base de mangaba também se multiplicassem nas cozinhas domésticas, indústrias alimentícias e restaurantes. O surgimento da polpa congelada nos anos 1980 contribuiu significativamente para a popularização da fruta. Antes, os sucos, doces, geleias, sorvetes e picolés dominavam a culinária mangabeira, assim como, em menor proporção, licores e passas. O uso do leite condensado ajudou no aparecimento dos pudins, mousses, cremes, bombons, tortas e uma infinidade de iguarias de mangaba.

Na Fazenda Rio Formoso… alentou-nos um excelente refresco feito com vinagre de mangaba… (Fragmento da obra Viagem pelo Brasil de 1817-1820, de Johann Baptist Spix e Carl Friedrich von Martius)

O refresco registrado pelos naturalistas Spix e Martius, nas suas expedições no século XIX, evoluiu para mixes de néctares e cervejas com blend da fruta já encontrados em grandes supermercados. Restaurantes e docerias sofisticadas de capitais e cidades litorâneas do Nordeste têm incluído no cardápio pratos mais elaborados, com o marcante sabor da mangaba, sendo possível agora encontrar camarão ao molho de mangaba, panacotta de mangaba ou torta chiffon de mangaba, para citar alguns. A mangaba entrou no maelström das cozinhas deixando a sua marca e trazendo toda a cultura a ela associada.

Apesar do incremento da mangaba no mercado, em muitos lugares do litoral nordestino, sobretudo em Pernambuco, o seu consumo se reveste de um saudosismo. A planta desapareceu das áreas naturais de ocorrência e a destruição desses remanescentes é uma realidade. As causas são várias e conhecidas e vão desde a expansão imobiliária à implantação de mono cultivos. Como reflexo, não se vê mais mangaba nos locais tradicionais de comercialização, perdendo-se vínculos importantes com os saberes relacionados à fruta. Infelizmente e em pouco tempo, restará apenas na memória popular e as novas gerações ficarão impedidas de conhecer esse sabor tão especial.


*AUTOR

Josué Francisco da Silva Júnior
Engenheiro agrônomo, pesquisador em Recursos Genéticos de Fruteiras Tropicais, Embrapa Tabuleiros Costeiros, Recife, PE, josue.francisco@embrapa.br

As barracas de frutas de Alhandra - Museu do Açúcar e Doce

As barracas de frutas de Alhandra

No caminho entre a Paraíba e Pernambuco, trafegando pela rodovia federal BR 101, quase na divisa entre os dois Estados, encontramos o município de Alhandra. Na localidade de Mata Redonda aparecem as barracas de frutas. São pontos multicoloridos na estrada que chamam nossa atenção. Em viagens noturnas, são apenas estruturas rústicas de madeira à beira da estrada, mas durante o dia, quando recebem suas mercadorias, enfeitam e embelezam o caminho.

Confeitaria Museu do Açúcar e Doce

Doces Vitrines

Mais um audiovisual do Museu do Açúcar e Doce que trata deliciosas vitrines.

Nesta peça de dar água na boca Jorge Sabino retrata as belezas das vitrines de doces portuguesas, em especial as de Lisboa.

Doces que fazem parte da nossa infância, doces que nunca vimos, mas o show de imagens impacta e emociona. Venha se deliciar com essas vitrines tão bonitas e tão saborosas.

 

 

 

vitrines, Museu do Açúcar e Doce

Vitrine de doces – encanto, desejo e sabor

Fotos e texto: Eduardo Gazal

Vitrines de roupas; de sapatos; de brinquedos; de perfumes.
Vitrine de “coisas belas”… sempre belas.
O desejo está do outro lado do vidro, principalmente nos meses que encerram um ano.
Vitrines de doces; em padarias; em bombonieres e docerias; em cafeterias.
Além do belo, nosso desejo será arrebatado com sabor, muito sabor!
Nesta coleção de fotos, apresentamos vitrines com doces, que encantam aos olhos e preparam nossos sentidos para uma experiência gustativa que ficará eternizada em nossa consciência.
Vitrine de doces é arte, produzida na maioria das ocasiões por confeiteiros e doceiras anônimos que merecem nossa admiração.

 

Dicionário

Vitrine – Dicio, Dicionário Online de Português
Significado de Vitrine: substantivo feminino – Tipo de mostrador ou armário, normalmente envidraçado (feito em vidro), através do qual objetos são expostos à venda.
Caixa com uma tampa de vidro também utilizada como mostrador de produtos à venda.
Forma mais usada em Portugal: vitrina. Etimologia (origem da palavra vitrine).

Consulta: www.dicio.com.br/vitrine/

 

 

 

 

Lembrança

Entre os anos 1960 e 1980, frequentei muito a famosa Rua Augusta, em São Paulo, local de residência dos meus avós paternos.

Os Shopping Centers ainda não eram os principais centros de compras das pessoas, e a Augusta era tomada por galerias que se originavam através de antigos casarões.

Uma expressão daquela época que nos remetia a um belo passeio, era a seguinte:
“Fui passear na Augusta, fui ver as vitrines”.

(Registro de imagens: a partir dos balcões de doces da Diplomata Delicatessen. Recife – Pernambuco – Brasil – 2022)

 

 

Vitrine na música (MPB)

“Vitrines”
Compositor: Gilberto Gil

As vitrines são vitrines
Sonhos guardados perdidos
Em claros cofres de vidro

Um astronauta risonho
Como um boneco falante
Numa pequena vitrine
De plástico transparente
Uma pequena vitrine
A escotilha da cabine

Mundo do lado de fora
Do lado de fora, a ilha
A ilha terra distante
Pequena esfera rolante
A terra bola azulada
Numa vitrine gigante

O cosmonauta, a vitrine
No cosmos de tudo e nada
De éter de eternidade
De qualquer forma vitrine
Tudo que seja ou que esteja
Dentro e fora da cabine
Éter, cosmo, nave, nauta
Acoplados no infinito
Uma vitrine gigante
Plataforma de vitrines

Eu penso nos olhos dela
Atrás das lentes azuis
Dos óculos encantados
Que ela viu numa vitrine
Óculos que eu dei a ela
Num dia de muita luz

Os óculos são vitrines
Seus olhos azuis, meu sonho
Meu sonho de amor perdido
Atrás de lentes azuis
Vitrines de luz, seus olhos
Infinitamente azuis

As vitrines são vitrines
Sonhos guardados perdidos
Em claros cofres de vidro

 

Espumante de caju harmonizado com bolo de tapioca. Foto Eduardo Gazal. Museu do Açúcar e Doce

Cores e sabores do Nordeste – Espumante de caju e Macassá

As fotos desta coleção retratam a junção de vegetais conhecidos no Brasil, que proporcionaram imagens inéditas e belas. Conheci o espumante de caju, Cauina, em evento realizado no Espaço Jardim do Cajueiro, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife, Pernambuco.

A Cauina é um espumante produzido à base de caju orgânico, não é filtrado, possui 10% de teor alcoólico e uma refrescância que encontramos nos espumantes produzidos a partir das uvas. Apresenta uma acidez moderada. O caju, usado como base inicial da bebida, confere um aroma que nos remete aos ambientes tropicais.

O criador da Cauina, Vicente Monteiro, contou que estuda temas relacionados às bebidas ancestrais e se considera uma pessoa que cozinha bebidas. O nome do espumante de caju, Cauina, surgiu da junção de “cauin” (origem nas Cauinagens indígenas) com a “cajuína”, bebida não alcoólica das regiões Nordeste e Meio-Norte do Brasil.

No mesmo encontro, conheci também uma espécie vegetal denominada “macassá”, que foi utilizada para saborizar e colorir um bolo de tapioca, tradicional na doçaria de Pernambuco.

A utilização das folhas de macassá está ligada aos banhos que utilizam ervas e, nesta preparação gastronômica, conferiram uma coloração verde ao tradicional bolo de tapioca, sempre branco. Uma novidade que foi introduzida pela chefe Bárbara em sua culinária afetiva/sensorial, marca registrada do quintal bristrô Jardim do Cajueiro.

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Macassá

Nome científico: Aeollanthus heliotropioides Oliv.

Nomes populares: Macassá, catinga-de-mulata, taia, chegadinha, manjericão-miúdo, água-de-colônia, cheiro do mundo, lotuko (Uganda), Yorubá: Makasà.

Origem ou Habitat: África tropical (Nigéria, Sudão do Sul, Quênia, norte da África do Sul). Naturalizada na América do Sul (Brasil).

Partes usadas: Folhas, flores.

Uso popular: É utilizada em rituais mágicos e curativos, na forma de banhos e maceradas com outras ervas aromáticas. O chá ou sumo das folhas é usado contra a febre, dor de cabeça e princípio de derrame. Em Uganda, o chá das raízes é usado contra diarreia e tripanossomíase.

Ações farmacológicas: O óleo essencial possui alegada atividade antimicrobiana.

Observações: Macassá é uma erva de origem africana introduzida na cultura brasileira durante o processo de colonização. As lactonas muito perfumadas, lactona massoia e δ-decalactona, podem ser facilmente extraídas para fins de perfumaria.

Fonte de consulta: Macassá: Horto didático de plantas medicinais do HU/CCS (Universidade Federal de Santa Catarina).

Dicionário

Sobre o Caju está escrito o seguinte relato, que resgatamos do Dicionário do Folclore Brasileiro de Luís da Câmara Cascudo:

Caju. (Anacardium occidentale L.) É a mais popular das frutas brasileiras, no Norte e Nordeste, ao alcance dos pobres, com o prestígio do tradicionalismo nos variados usos. Como sua frutificação coincide com o final do ano e início do outro, acaiú significa o ano para o indígena de raça tupi. Guardavam a castanha de cada colheita, valendo uma o tempo hoje correspondente aos doze meses. O pedúnculo carnudo e sumarento dá o vinho e o vinagre, a castanha é gulodice secular.

Texto e Fotos de Eduardo Gazal
eduardogazal@gmail.com

Bebida afurá

Denguê e Afurá: bebidas doces afrodescendentes

Outro caso é o denguê que é uma bebida feita a partir do acaçá branco, feito de milho branco, que é diluído na água e adoçado; contudo, por ser uma bebida mais espessa é considerado uma bebida/comida, também muito nutritiva. O denguê tem ocorrência nos terreiros de candomblé, sendo utilizado como uma importante base alimentar.

Moinho de Açúcar por Debret

Açúcar como especiaria: uso em receituários da Modernidade

A experiência de uso do açúcar enquanto iguaria que compõe um momento específico das refeições data de meados do século XVIII. Não que surjam aí os doces, que já eram confeccionados ao longo da história a partir do uso de frutas secas, mel e outras substâncias que adoçavam os quitutes preparados. Entretanto, o açúcar passou a ser insumo principal na produção da doçaria somente a partir dos Setecentos.

O doce da fruta tropical

Fruta da terra, símbolo do trópico, do ideal do sol, do calor, do mar azul. Paisagens paradisíacas que revelam novos sabores, odores, formas, e cores numa estética, inicialmente, exótica ao olhar estrangeiro.

“Uma fruta se dá nesta terra do Brasil muito saborosa, e mais prezada de quantos há (…) chamam-lhes ananases e depois de maduros têm cheiro excelente (…) outra fruta se criam numas árvores grandes, estas não se plantam nascem pelos matos muitas; está fruta depois de madura é muito amarela (…) chamam-lhes cajus, têm muito sumo (…) o caroço assado é muito mais gostoso que amêndoa (…)”

(Pedro de Magalhães Gandavo, 1576)

Sem dúvida, abacaxi & caju emblematizam o Brasil, como outras regiões desse lado do mundo, e pode-se, ainda, aliar a essa lista de tipicidade a tão celebrada banana. Yes! Temos banana. Muitas, em tamanho, formato e, principalmente, gostos variados. As frutas tropicais trazem um frescor nativo, e trazem também o sentimento de fartura, de natureza, de corpo nu e desvendado.

Unem-se a esses imaginários do que é tropical as aves, especialmente papagaios, aves que estão sob os ombros dos índios, ou na plumária sofisticada de diferentes adornos corporais. Penas colocadas sobre a pele, com pigmentos vindos do jenipapo e urucum, esse tão presente à mesa do brasileiro como o tão popular colorau, para dar cor, sabor, e, principalmente, identidade a comida.

O nosso urucum também é encontrado na Índia tropical, e integra-se a tantas outras especiarias de cores e gostos próprios que trazem sempre o “lugar”, o território nas memórias dos paladares. Assim, as memórias dos paladares, as memórias visuais e as memórias sonoras juntas dão um sentimento holístico dominante quando se fala de comida.

Ainda sobre as imagens ideais de um trópico que descobre-se comendo, especialmente, no caso as frutas que compõem cenários de natureza exuberante, repleta de pássaros coloridos.

“ (…)os gaviões também são muito destros e forçosos: especialmente os pequenos (…) que remetem a uma perdiz, e a levam nas unhas para onde querem (…) Papagaios há nestas partes muitos de diversas castas e muitos formosos (…) são variados e de muitas cores (…)”

(Pedro de Magalhães Gandevo, 1576)

 

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Para o brasileiro _ o abacaxi _ fruta da família das bromeliáceas, rico em vitamina E, potássio, magnésio, cálcio e, principalmente, açúcar _ é fruta de se comer em casa, ou de garfo e faca nos restaurantes mais sensíveis aos sabores da terra.

Abacaxi in natura para ser comido olhando o mar. Abacaxi em compota, cristalizado, acompanhando assados ou mesmo com feijoada, como fruta de apoio, como informava Gilberto Freyre.
Abacaxi na batida, na caipirinha, e em tudo mais que leve: rum, vodca, pisco, ou a nossa tão estimada “branquinha”, a cachaça.

O caju junto com o abacaxi faz esse brasão do país tropical, ele é nativo da mata Atlântica, dá perto do mar e é bonito de se ver florido, repleto de cores, bom de comer-se também verde, o chamado maturí, como moqueca com dendê e temperos, uma delícia! Caju em passa, revelando ainda mais o doce da fruta; em compota; cristalizado; como vinho ou como cajuína; servindo como carne, sendo base para diferentes pratos salgados; como farofa da castanha assada e também especiaria para bolos como o pé-de-moleque, e para o doce de sangue de porco que é o “chouriço”, ambos desse Nordeste.

Frutas tropicais dessa terra, e de outras também tropicais, contudo, exóticas com a manga, o fruta-pão, a carambola, a graviola, a jaca, entre outras. Frutas do oriente, especialmente da Índia e da Indonésia, porém brasileiras por adoção, com amplo e extensivo cultivo e no uso à mesa.

Contudo, cada vez mais a mesa vem se tropicalizando por meio da adoção de frutas frescas, e frutas da época, no caso em especial o abacaxi e o caju, entre tantas. Vive-se, então, uma mesa de frutas multiculturais, da Europa, da África, da Ásia, da “terra”, muitas já abrasileiradas, tropicalmente brasileiras.

RAUL LODY

Bolo de Casamento - Museu do Açúcar e Doce

Do bolo George I ao bolo de casamento

Tão próximo do açúcar, das receitas das casas, dos doces de rua, dos mercados, das padarias, das “boleiras”, Gilberto Freyre desenvolve um olhar afetivo, que se junta ao seu método de traduzir as relações sociais através dos preparos culinários doces, do cotidiano e da festa; e destaca o bolo enquanto uma verdadeira comida-símbolo de Pernambuco.

Gilberto enfatiza a doçaria de Portugal, diga-se uma doçaria já mundializada a partir do século XVI, e localiza as muitas opções de receitas de bolos; que, além de muitas, são variados, e estão presentes nas casas, nas festas, nas devoções religiosas.

No caso do Nordeste, os bolos passam a identificar também os engenhos de açúcar, enquanto verdadeiros brasões que são construídos a partir de receitas autorais, de representações simbólicas de uma história e de uma família.

Para Gilberto Freyre, o bolo é muito mais do que uma receita. O bolo traz a sua variedade na forma de temas, de personagens, de localidades, de santos de devoção, entre tantos outros motivos. Cada bolo tem a sua individualidade, e sua marca; cada bolo mostra seu território de afetividade, de celebração, de religiosidade e de homenagem.

 

 

 

 

Além de ser uma realização gastronômica de estética e de sabor, o bolo, na sua maioria, traz ingredientes nativos, “da terra”, para atestar sua identidade. O bolo traz uma assinatura, uma receita; uma intenção pessoal ou coletiva, regional. Ele marca o terroir do doce em Pernambuco.

Bolo São Bartolomeu, bolo Divino, bolo São João, bolo Souza Leão; bolo Souza Leão à moda da Noruega, bolo Souza Leão-Pontual, bolo de milho D. Sinhá; bolo de milho Pau-d’alho, bolo Guararapes, bolo Paraibano, bolos fritos do Piauí; bolo de bacia à moda de Pernambuco, bolo de rolo pernambucano, entre tantos.

Chegadas, permanências, sugestões, informações gerais, experiências pessoais, etnografias participativas; festas de santos, especialmente os de junho, com rica culinária a base de milho; festas em casa com a família; festas no tempo de carnaval com filhoses e suas caldas perfumadas; ou no Natal, pastéis de carne temperada e pulverizados de açúcar; num verdadeiro laboratório de gostos, de buscas, de descobertas pela boca e pela emoção.

Está no bolo, na sua variedade e nos seus estilos, uma marca onde o pernambucano encontra também a sua identidade, a sua história e o seu pertencimento cultural.

O significado de um bolo é repleto de valores familiares, de festas, de ritos de passagem; o prazer de viver o milho, a mandioca, o chocolate, as frutas, os cremes; as coberturas de açúcar, a técnica do “glacê mármore”, branco e compacto, uma verdadeira delícia, e se for para o bolo de frutas mergulhadas no vinho do Porto ou Moscatel, com a estimada receita de “bolo de noiva”, uma releitura do bolo de frutas inglês, um “bolo-presente” para festas e celebrações.

Nestes contextos, há um bolo tradicional inglês que é interpretado pelas boleiras pernambucanas, e que ganha um lugar de destaque nas celebrações dos casamentos.

Refiro-me ao tão tradicional, e britânico, “plum pudding”, cujas receitas mostram adaptações e estilos, tanto na seleção dos ingredientes quanto no preparo culinário, e é consagrado para a ceia de Natal. Ainda, ele é conhecido como bolo de frutas de Natal.

Uma comida fundamental nas tradições do império britânico. É um bolo que traz significados de unidade para a Commonwealth, e por isso as receitas deste bolo buscam representar os países membros através de ingredientes símbolos da cada país, assim a receita deste bolo não só se espalhou pelos países da comunidade britânica no mundo como teve que se adaptar a região.

As receitas ancestrais do plum pudding chegam do século XVI, e algumas mudanças nos ingredientes ocorrem pelo rigor do puritanismo que considerava o prazer dos sabores, certamente, um pecado em si, um prazer carnal, e ainda associado ao da gula. Além do mais, apesar de ter o nome de ameixa, o que era usado verdadeiramente na receita eram uvas passas.

Nestas bases da formação do conceito culinário do plum pudding, destaca-se um evidente sentido de sustentabilidade no aproveitamento do pão de trigo “duro”, o tão conhecido pão-dormido.

Para exemplificar todos estes processos tradicionais trago uma das mais usuais e tradicionais receitas do pudding, segundo os hábitos dos britânicos. Ainda, este preparo é também conhecido como: black cake, sopa de ameixa, pudim do império britânico, pudim de Natal e bolo George I.

A receita: 85gr de farinha de trigo, sal, 170gr de banha, 140gr de açúcar mascavo, 1 colher de mix de especiarias, 170gr de farinha de pão, 170gr de passas, 170gr de groselha, 1 maçã, 3 ovos, 140 ml de brandy.

Nos aspectos simbólicos deste plum pudding, que se apresenta também como um bolo, destacam-se as frutas que trazem um amplo imaginário da primavera, frutas frescas associadas aos sentidos da fertilidade e da vida, isto, sem dúvida, mostra um significado ao Nascimento de Jesus no Natal.

Este forte sentido de fertilidade, que é trazido nas frutas, relembra a primavera, e marca as celebrações de fertilidade que estão integradas ao casamento e ao nascimento.

Há ainda a busca pela doçura, que, sem dúvida, é um sentimento dominante nestas cerimônias coletivas. Estima-se que os rituais sociais como o casamento, ou mesmo o Natal, ocorram num contexto doce que está ligado ao significado de harmonia e de religiosidade.

 

 

RAUL LODY

Bolo Rei - Museu do Açúcar e Doce - foto Eduardo Gazal

Bolo Rei de Pernambuco

Fotos e Texto por Eduardo Gazal

Entramos no período natalino e o Bolo Rei começa a aparecer nas vitrines das padarias.
Sempre belo e colorido, rivalizando com seu primo europeu, o Panetone, o Bolo Rei ou Rosca de Reis, divide as preferências dos paladares dos brasileiros. Derivado de algumas criações gastronômicas do velho continente, o Bolo Rei que conhecemos é uma inspiração da confeitaria portuguesa, que marca presença na doçaria de todo país.

 

Bolo Rei - Museu do Açúcar e Doce - foto Eduardo Gazal

 

Mas é um bolo, um pão doce?

Certamente sua composição e textura nos remete imediatamente aos pães doces elaborados com massas artesanais que recebem oleaginosas em sua composição.

Belamente ornamentado com raspas de frutas cítricas cristalizadas, figos em passa, castanhas variadas e cerejas, recebe uma porção finíssima de açúcar para realçar sua aparência, nos convidando para uma sensacional mistura de sabores.

Mas como sua história é rica em detalhes, vamos então acrescentar um trecho do livro “Doce Pernambuco”, de autoria do antropólogo e escritor Raul Lody, que dedica em sua publicação um capítulo ao bolo, denominado Rosca de Reis. Lody nos conta algumas particularidades deste símbolo natalino e como é conhecido por povos de diversos países e civilizações:

“Gallete des Roi para os franceses, Roscón de Reys para os espanhóis, Bolo-Rei para os portugueses e Rosca de Reis para os brasileiros, esse pão em forma de rosca recebe ingredientes diferentes de acordo com o lugar, como massa folhada e recheio de creme de amêndoas com rum na França; vinho do Porto tinto em Portugal; água de flor de laranjeira na Espanha; e nos países de língua hispânica, como Argentina, usa-se também mel nas receitas. Sua decoração com frutas glaceadas e/ou cristalizadas remetem às joias que são incrustadas nas coroas dos Reis, o que reforça, dessa maneira, que a Rosca de Reis assume um verdadeiro significado valioso, de um presente precioso”.

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Doce Pernambuco - Museu do Açúcar e Doce - Raul Lody