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Mangaba - Museu do Açúcar e Doce

Mangaba, “fruta que o gosto gruda e não sai”

Texto e Fotos por Josué Francisco da Silva Júnior*

“Não sei se a América produz alguma fruta mais bela e gostosa”.

Assim começa a descrição do médico e naturalista Guilherme Piso sobre a mangaba na sua magnífica “Historia Naturalis Brasiliae”, obra-prima escrita com a colaboração de George Marcgraf. Foram eles os primeiros cientistas no Novo Mundo e vieram para Pernambuco na corte de Maurício de Nassau. A mangaba estava entre as frutas prediletas dos holandeses e, diga-se de passagem, foi também uma das primeiras a serem registradas pelos cronistas e viajantes ainda no século XVI.

…é coradinha que nem mangaba do areal. (Fragmento do romance Inocência, do Visconde de Taunay, 1872)

A árvore graciosa de copa chorona, companheira elegante do muricizeiro e do cajueiro nos tabuleiros do Nordeste, como bem disse o explorador alemão Robert Avé-Lallemant, produz frutos redondos ou ovais de diferentes tamanhos e de aroma e sabor únicos. A cor amarelo-esverdeada salpicada de encarnado completa a sua singularidade.

Quando não está totalmente madura a mangaba exsuda um “leite” que gruda nos lábios. Aliás, o verso tomado de empréstimo ao compositor João Santana para o título deste artigo revela lindamente esta característica. O nosso poeta maior João Cabral de Mello Neto também o fez de forma precisa no seu melhor estilo para os Jogos Frutais:

…Mangaba, deixas em quem te conhece visgo, borracha.

Vem da época pré-colombiana o consumo da mangaba ao natural pelos povos indígenas que habitavam o Brasil e que também nominaram a fruta. Mangaba quer dizer “coisa boa ou que serve para comer”, na língua tupi. Os índios também já fabricavam uma espécie de vinho a partir da mangaba, como relatou o Padre Fernão Cardim, ainda no início do período colonial.

A coleta da mangaba nativa nos tabuleiros e restingas do Nordeste, bem como todas as atividades relacionadas à fruta, são um trabalho quase que exclusivo das mulheres, conhecidas como “catadoras de mangaba”. Alguém já disse que mangaba é só pra quem sabe colher. Elas dividem o seu dia a dia entre a mangaba, o mangue, a casa e tudo o mais. Com conhecimentos repassados há gerações, ainda possuem um vocabulário particular cheio de palavras incomuns para a cata da fruta: capota, enfornar, abafemar, de baque, birrinho, baceira, venha-a-nós…

… mangaba, fruta que pode ser estimada entre as boas que há no mundo… (Fragmento dos Diálogos da Grandeza do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão, 1618)

Mangaba é fruta de verão, de praia, de sol, de areia. É quase um reclame turístico. Chupar mangaba madurinha “de queda” debaixo do pé é uma experiência que só viveciando para sentir. Misturada com farinha mata a fome do povo do litoral na roça ou na pescaria.

Olha é de capota, ou é de caída é adocicada, amadurecida… Boca de alto-falante bem de longe se escuta, com cesto na cabeça na praça ou na feira anuncia a fruta: Olha a mangaba! (Fragmento da canção Mangaba Madura, de Nino Karvan)

A venda da mangaba nas feiras e mercados, nas margens das estradas ou nas portas das casas é elemento obrigatório da paisagem alimentar de muitos lugares do litoral nordestino. O pregão do vendedor “Ô mangaba, ô mangaba… Mangaba, olha a mangaba!” soa nas ruas como o chamado de um muezim. No entanto, são os produtos confeccionados a partir do fruto os verdadeiros néctares e ambrosias do nosso trópico.

Uma das mais nobres frutas desta América é a mangaba, de que se faz rica conserva, bem estimada ainda fora da sua pátria… (Fragmento da obra Frutas do Brasil numa Nova e Ascética Monarquia Consagrada à Santíssima Senhora do Rosário, por Frei Antônio do Rosário, 1702)

Foi da mangaba um dos primeiros registros de uma fruta conservada em açúcar. Está lá no Tratado Descritivo do Brasil, de 1587, de autoria de Gabriel Soares de Sousa. No tempo dos flamengos, a conserva de mangaba foi usada pelos padres católicos para obter favores ou cair nas graças de Nassau. Numa ocasião, foram ofertados ao Conde quatro barris do extraordinário doce de calda translúcida.

Sorvete, é de mangaba! (Pregão do Recife)

Gilberto Freyre afirmava que as chamadas “frutinhas do mato”, como a mangaba, amadas pelo povo, também tiveram sua fase de esplendor à mesa patriarcal, servidas como doce, geleia ou sorvete. E ele recomendava em seu Pequeno Guia da Cidade do Recife: “a mangaba, o turista deve preferi-la sob a forma de refresco. Ou então de sorvete”. Para Josué de Castro, “o sorvete de mangaba goza, merecidamente, do melhor conceito: é saboroso”. E Jorge Amado deu um jeito de inserir esse ícone da mangaba no reencontro de Tieta com Chalita, no romance Tieta do Agreste: “Quem pode te esquecer, Tieta? Sorvete de mangaba, Leonora não conhece…”

A globalização e a rapidez com que as mudanças nos hábitos alimentares foram acontecendo nos últimos anos fizeram com que novos produtos à base de mangaba também se multiplicassem nas cozinhas domésticas, indústrias alimentícias e restaurantes. O surgimento da polpa congelada nos anos 1980 contribuiu significativamente para a popularização da fruta. Antes, os sucos, doces, geleias, sorvetes e picolés dominavam a culinária mangabeira, assim como, em menor proporção, licores e passas. O uso do leite condensado ajudou no aparecimento dos pudins, mousses, cremes, bombons, tortas e uma infinidade de iguarias de mangaba.

Na Fazenda Rio Formoso… alentou-nos um excelente refresco feito com vinagre de mangaba… (Fragmento da obra Viagem pelo Brasil de 1817-1820, de Johann Baptist Spix e Carl Friedrich von Martius)

O refresco registrado pelos naturalistas Spix e Martius, nas suas expedições no século XIX, evoluiu para mixes de néctares e cervejas com blend da fruta já encontrados em grandes supermercados. Restaurantes e docerias sofisticadas de capitais e cidades litorâneas do Nordeste têm incluído no cardápio pratos mais elaborados, com o marcante sabor da mangaba, sendo possível agora encontrar camarão ao molho de mangaba, panacotta de mangaba ou torta chiffon de mangaba, para citar alguns. A mangaba entrou no maelström das cozinhas deixando a sua marca e trazendo toda a cultura a ela associada.

Apesar do incremento da mangaba no mercado, em muitos lugares do litoral nordestino, sobretudo em Pernambuco, o seu consumo se reveste de um saudosismo. A planta desapareceu das áreas naturais de ocorrência e a destruição desses remanescentes é uma realidade. As causas são várias e conhecidas e vão desde a expansão imobiliária à implantação de mono cultivos. Como reflexo, não se vê mais mangaba nos locais tradicionais de comercialização, perdendo-se vínculos importantes com os saberes relacionados à fruta. Infelizmente e em pouco tempo, restará apenas na memória popular e as novas gerações ficarão impedidas de conhecer esse sabor tão especial.


*AUTOR

Josué Francisco da Silva Júnior
Engenheiro agrônomo, pesquisador em Recursos Genéticos de Fruteiras Tropicais, Embrapa Tabuleiros Costeiros, Recife, PE, josue.francisco@embrapa.br

Pão Recife - Museu do Açúcar e Doce

Pão Recife

A Padaria é um dos campos mais expressivo, e diverso, da produção alimentar que faz parte de diferentes segmentos sociais, culturais e étnicos. E neste universo da padaria, há diferentes interpretações de receitas, formas criativas de expressar resultados culinários, e formas de manifestar identidade por meio de um produto comestível.

No caso da padaria popular e tradicional do Recife, há uma vasta produção que se afirma no ofício ancestral do padeiro, e que se une, em muitos casos, ao ofício do confeiteiro. Assim, pode-se encontrar nas padarias do Recife o pão-Recife certamente um atestado de singularidade e de afirmação de identidade alimentar.

Agrega-se ao pão Recife um conjunto de pães com nomes singulares, o pão carteira, o pão crioulo, o pão baiano, o pão bolachão, o pão francês, regionalmente conhecido por brasileirinho, o pão tabica, o pão de leite, o pão português; entre tantos, muitos, que são distinguidos pela estética e pelo sabor.

Sem dúvida, há uma grande correlação e conexão no ofício da nossa padaria com a padaria ibérica e, em especial, com uma padaria portuguesa, porque muitas das receitas, dos tipos de pães, e das características culinárias e alimentares estão relacionadas com as bases civilizadoras lusitanas.

Neste campo, integram-se também certos tipos de bolo como, por exemplo, o pão-de-ló, um alimento que está entre o pão e o bolo, as boleimas, os folares, as regueifas, as fogaças, os tabuacos, e outros casos que trazem receitas e sabores do que entendemos na padaria com tipos especiais de pães.

Ainda, pode-se agregar a estas bases etno culturais algumas referências e estilos de pães e da confeitaria com possíveis presenças holandesas, italianas; e alemães; em virtude da forte imigração para o Brasil de povos saxões. Assim, permanece muitas referências e formas identitárias de manifestar alteridade nas comidas.

O pão Recife de base de trigo branco, diria levemente adocicado por causa de um tipo de farofa feita de farinha de trigo, manteiga e açúcar, que recobre o pão. É um pão do cotidiano que está presente desde o café da manhã, no lanche da tarde, até noutros momentos em que o pão é uma excelente base alimentar, seja acrescido de manteiga, de queijo, ou de outros produtos que fazem o ideal e o entendimento da refeição.

Assim, a padaria traz muitas receitas de pães doces, com diferentes acréscimos como coco ralado, creme de ovos, goiabada, açúcar cristal, frutas cristalizadas, entre tantos outros ingredientes que se agregam as receitas feitas à base de farinha de trigo para expressarem regionalismos e identidade para as ofertas e os hábitos alimentares e, em especial, para o ato civilizatório de se comer pão.

 

 

RAUL LODY

 

 

As barracas de frutas de Alhandra - Museu do Açúcar e Doce

As barracas de frutas de Alhandra

No caminho entre a Paraíba e Pernambuco, trafegando pela rodovia federal BR 101, quase na divisa entre os dois Estados, encontramos o município de Alhandra. Na localidade de Mata Redonda aparecem as barracas de frutas. São pontos multicoloridos na estrada que chamam nossa atenção. Em viagens noturnas, são apenas estruturas rústicas de madeira à beira da estrada, mas durante o dia, quando recebem suas mercadorias, enfeitam e embelezam o caminho.

vitrines, Museu do Açúcar e Doce

Vitrine de doces – encanto, desejo e sabor

Fotos e texto: Eduardo Gazal

Vitrines de roupas; de sapatos; de brinquedos; de perfumes.
Vitrine de “coisas belas”… sempre belas.
O desejo está do outro lado do vidro, principalmente nos meses que encerram um ano.
Vitrines de doces; em padarias; em bombonieres e docerias; em cafeterias.
Além do belo, nosso desejo será arrebatado com sabor, muito sabor!
Nesta coleção de fotos, apresentamos vitrines com doces, que encantam aos olhos e preparam nossos sentidos para uma experiência gustativa que ficará eternizada em nossa consciência.
Vitrine de doces é arte, produzida na maioria das ocasiões por confeiteiros e doceiras anônimos que merecem nossa admiração.

 

Dicionário

Vitrine – Dicio, Dicionário Online de Português
Significado de Vitrine: substantivo feminino – Tipo de mostrador ou armário, normalmente envidraçado (feito em vidro), através do qual objetos são expostos à venda.
Caixa com uma tampa de vidro também utilizada como mostrador de produtos à venda.
Forma mais usada em Portugal: vitrina. Etimologia (origem da palavra vitrine).

Consulta: www.dicio.com.br/vitrine/

 

 

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Lembrança

Entre os anos 1960 e 1980, frequentei muito a famosa Rua Augusta, em São Paulo, local de residência dos meus avós paternos.

Os Shopping Centers ainda não eram os principais centros de compras das pessoas, e a Augusta era tomada por galerias que se originavam através de antigos casarões.

Uma expressão daquela época que nos remetia a um belo passeio, era a seguinte:
“Fui passear na Augusta, fui ver as vitrines”.

(Registro de imagens: a partir dos balcões de doces da Diplomata Delicatessen. Recife – Pernambuco – Brasil – 2022)

 

 

Vitrine na música (MPB)

“Vitrines”
Compositor: Gilberto Gil

As vitrines são vitrines
Sonhos guardados perdidos
Em claros cofres de vidro

Um astronauta risonho
Como um boneco falante
Numa pequena vitrine
De plástico transparente
Uma pequena vitrine
A escotilha da cabine

Mundo do lado de fora
Do lado de fora, a ilha
A ilha terra distante
Pequena esfera rolante
A terra bola azulada
Numa vitrine gigante

O cosmonauta, a vitrine
No cosmos de tudo e nada
De éter de eternidade
De qualquer forma vitrine
Tudo que seja ou que esteja
Dentro e fora da cabine
Éter, cosmo, nave, nauta
Acoplados no infinito
Uma vitrine gigante
Plataforma de vitrines

Eu penso nos olhos dela
Atrás das lentes azuis
Dos óculos encantados
Que ela viu numa vitrine
Óculos que eu dei a ela
Num dia de muita luz

Os óculos são vitrines
Seus olhos azuis, meu sonho
Meu sonho de amor perdido
Atrás de lentes azuis
Vitrines de luz, seus olhos
Infinitamente azuis

As vitrines são vitrines
Sonhos guardados perdidos
Em claros cofres de vidro

 

Espumante de caju harmonizado com bolo de tapioca. Foto Eduardo Gazal. Museu do Açúcar e Doce

Cores e sabores do Nordeste – Espumante de caju e Macassá

As fotos desta coleção retratam a junção de vegetais conhecidos no Brasil, que proporcionaram imagens inéditas e belas. Conheci o espumante de caju, Cauina, em evento realizado no Espaço Jardim do Cajueiro, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife, Pernambuco.

A Cauina é um espumante produzido à base de caju orgânico, não é filtrado, possui 10% de teor alcoólico e uma refrescância que encontramos nos espumantes produzidos a partir das uvas. Apresenta uma acidez moderada. O caju, usado como base inicial da bebida, confere um aroma que nos remete aos ambientes tropicais.

O criador da Cauina, Vicente Monteiro, contou que estuda temas relacionados às bebidas ancestrais e se considera uma pessoa que cozinha bebidas. O nome do espumante de caju, Cauina, surgiu da junção de “cauin” (origem nas Cauinagens indígenas) com a “cajuína”, bebida não alcoólica das regiões Nordeste e Meio-Norte do Brasil.

No mesmo encontro, conheci também uma espécie vegetal denominada “macassá”, que foi utilizada para saborizar e colorir um bolo de tapioca, tradicional na doçaria de Pernambuco.

A utilização das folhas de macassá está ligada aos banhos que utilizam ervas e, nesta preparação gastronômica, conferiram uma coloração verde ao tradicional bolo de tapioca, sempre branco. Uma novidade que foi introduzida pela chefe Bárbara em sua culinária afetiva/sensorial, marca registrada do quintal bristrô Jardim do Cajueiro.

Macassá

Nome científico: Aeollanthus heliotropioides Oliv.

Nomes populares: Macassá, catinga-de-mulata, taia, chegadinha, manjericão-miúdo, água-de-colônia, cheiro do mundo, lotuko (Uganda), Yorubá: Makasà.

Origem ou Habitat: África tropical (Nigéria, Sudão do Sul, Quênia, norte da África do Sul). Naturalizada na América do Sul (Brasil).

Partes usadas: Folhas, flores.

Uso popular: É utilizada em rituais mágicos e curativos, na forma de banhos e maceradas com outras ervas aromáticas. O chá ou sumo das folhas é usado contra a febre, dor de cabeça e princípio de derrame. Em Uganda, o chá das raízes é usado contra diarreia e tripanossomíase.

Ações farmacológicas: O óleo essencial possui alegada atividade antimicrobiana.

Observações: Macassá é uma erva de origem africana introduzida na cultura brasileira durante o processo de colonização. As lactonas muito perfumadas, lactona massoia e δ-decalactona, podem ser facilmente extraídas para fins de perfumaria.

Fonte de consulta: Macassá: Horto didático de plantas medicinais do HU/CCS (Universidade Federal de Santa Catarina).

Dicionário

Sobre o Caju está escrito o seguinte relato, que resgatamos do Dicionário do Folclore Brasileiro de Luís da Câmara Cascudo:

Caju. (Anacardium occidentale L.) É a mais popular das frutas brasileiras, no Norte e Nordeste, ao alcance dos pobres, com o prestígio do tradicionalismo nos variados usos. Como sua frutificação coincide com o final do ano e início do outro, acaiú significa o ano para o indígena de raça tupi. Guardavam a castanha de cada colheita, valendo uma o tempo hoje correspondente aos doze meses. O pedúnculo carnudo e sumarento dá o vinho e o vinagre, a castanha é gulodice secular.

Texto e Fotos de Eduardo Gazal
eduardogazal@gmail.com

Pastelaria Casa Brasil - Museu do Açúcar e Doce

Pastelaria Casa Brasileira, um doce centenário (1922-2022)

Localizada na Rua Augusta, na querida Lisboa, a Pastelaria Casa Brasileira afirma-se como uma casa do bem-comer. Bem-comer especialmente os doces e os pães, que mostram a sua longa tradição de preservação das receitas de Portugal, e de outras que ampliam o seu sentido ibérico.

E assim, a cada dia, há um ritual de sabores, de descobertas e de experiências gastronômicas, que são reveladoras nas diversas formas de viver o doce, o açúcar da cana-de-açúcar, as receitas, muitas delas que chegaram dos conventos, numa longa tradição medieval e renascentista de Portugal.

 

 

Pastelaria Casa Brasil - Museu do Açúcar e Doce
Foto Jorge Sabino

 

 

Ainda, outros doces que chegam das tradições das casas, dos costumes populares, das receitas autorais. Sempre na presença marcante dos ovos e, em especial, das gemas; mas também das amêndoas, do trigo, e das diferentes especiarias, que mostram uma verdadeira mundialização de sabores deste, Portugal já globalizado pelas Grandes Navegações que uniu o Ocidente ao Oriente.

Estes acervos culinários afirmam os sistemas alimentares que são referenciados pelo que é doce, pela cultura colonial, pela ocupação colonial na plantation de cana-de-açúcar, especialmente no Brasil; onde os doces vindos de Portugal criam adaptações e se tornam os nossos doces, feitos com frutas nativas, e muitos outros ingredientes que marcam os nosso terroir.

 

 

Pastelaria Casa Brasil - Museu do Açúcar e Doce
Foto Jorge Sabino

 

 

De volta à Portugal e, em especial, Lisboa, continuamos o nosso passeio de apreciação dos doces, apreciação das vitrines, verdadeiras vitrines-doces. Os doces são exibidos para provocar o desejo, o desejo de descobrir sabores, relembrar uma memória doce. A vitrine do doce compreende que o doce para ser desejado tem que ser bonito, porque antes se come a sua imagem, só depois se come os ingredientes.

Pode-se viver a emoção à boca: brisas de Lis; lampreias de ovos; pão-de-ló; pão-de-ló de Ovar; pastéis; queijadinha de ovos; queijada de Évora; pingos; tochas; pastel de Tentugal, pastel de nata; travesseiros de Sintra; folar de Chaves; folar Val Paços; coscorões; bolo caseiro de amêndoas; bolo-rei; reizinho; bolo-rainha; bolo mármore; bolo inglês; bolo-rei com fios de ovos; bolo-rei chocolate, entre tantos. Ainda, as broas, outras delícias de comer e desse viver Portugal à boca: broa castelar, broa reis moinhos, broa da Espanha, broa de mel, broa de milho.

 

 

Pastelaria Casa Brasil - Museu do Açúcar e Doce
Foto Jorge Sabino

 

 

E assim, após um século adoçando a todos que admiram sua vitrine, e possibilitando interpretar lugares através dos seus doces, está a Pastelaria Casa Brasileira, em Lisboa, para nos oferecer suas receitas tradicionais.

Viva!!!
Viva mais cem anos, e sempre “portugalmente” doce.

 

 

RAUL LODY

Bebida afurá

Denguê e Afurá: bebidas doces afrodescendentes

Outro caso é o denguê que é uma bebida feita a partir do acaçá branco, feito de milho branco, que é diluído na água e adoçado; contudo, por ser uma bebida mais espessa é considerado uma bebida/comida, também muito nutritiva. O denguê tem ocorrência nos terreiros de candomblé, sendo utilizado como uma importante base alimentar.

Moinho de Açúcar por Debret

Açúcar como especiaria: uso em receituários da Modernidade

A experiência de uso do açúcar enquanto iguaria que compõe um momento específico das refeições data de meados do século XVIII. Não que surjam aí os doces, que já eram confeccionados ao longo da história a partir do uso de frutas secas, mel e outras substâncias que adoçavam os quitutes preparados. Entretanto, o açúcar passou a ser insumo principal na produção da doçaria somente a partir dos Setecentos.

Dicionário do Doceiro Brasileiro - Museu do Açúcar e Doce

130 anos do Dicionário do Doceiro Brasileiro

“Havia então no Brasil a preocupação de comer bem; nossas avós dedicavam à mesa e à sobremesa o melhor do seu esforço; era a dona da casa que ia à cozinha para provar o ponto dos doces; era a senhora de engenho quem dirigia o fabrico do vinho de jenipapo, do de caju, dos licores; à mesa de jantar rebrilhavam (...) as baixelas de prata”. (Freyre, Gilberto)

A longa e diversa experiência histórica e cultural com o açúcar da cana sacarina fundamenta o “Dicionário do doceiro brasileiro. Contendo mais de 900 receitas, na maioria novas, de doces de todas as qualidades, obra de maior utilidade até hoje conhecida e dedicada especialmente as mães de família pelo Dr. Antônio José dos Santos Rego” (1892).
O Dicionário é um rico e amplo memorial dos processos culinários, ingredientes, receitas e indicações de uso e de consumo do doce no Brasil.

Para melhor entender sua dimensão documental e patrimonial, o Dicionário criado e publicado originalmente no século XIX é também um retrato social e econômico do Brasil escravocrata, dos movimentos de uma república face ao império, dos contextos internacionais da Revolução Industrial, dos movimentos artísticos, da busca na belle époque do bem comer e do bem beber. Ainda os sentimentos de nacionalidade tocados em um Brasil eminentemente afrodescendente que, contudo, à época se sentia muito europeu e principalmente francês. Vive-se ainda a chegada organizada das imigrações da Itália, Alemanha, Japão e os sírio-libaneses, genericamente chamados de turcos. Nesse rico caldeirão pluriétnico e pluricultural são organizadas e publicadas as preciosas e históricas receitas do Dicionário.

As receitas demonstram estilos, matrizes étnicas, e aproximam, pelos ingredientes, cada vez mais o Oriente, tão marcado na formação social, cultural e econômica do açúcar do sudeste asiático. Traz também as formas de civilizar pelos caminhos e rotas das especiarias, tocando na formação de hábitos à mesa, na formação de paladares, fenômenos que nascem nas experiências da cultura. Ingredientes quase inseparáveis, o cravo e a canela, como o açúcar e os ovos, além das massas que chegam das farinhas do Reino – de trigo – fubá de milho, fubá de mandioca ou carimã, fubá de cará, além das águas perfumadas de rosa e de laranjeira, e certamente do olhar e da emoção perante as caldas.

O Dicionário é um documento memorial, histórico, gastronômico e antropológico da nossa doçaria multicultural.
Destaco a minha alegria em organizar a 2ª edição deste Dicionário pela Editora Senac São Paulo em 2010.

RAUL LODY

O doce da fruta tropical

Fruta da terra, símbolo do trópico, do ideal do sol, do calor, do mar azul. Paisagens paradisíacas que revelam novos sabores, odores, formas, e cores numa estética, inicialmente, exótica ao olhar estrangeiro.

“Uma fruta se dá nesta terra do Brasil muito saborosa, e mais prezada de quantos há (…) chamam-lhes ananases e depois de maduros têm cheiro excelente (…) outra fruta se criam numas árvores grandes, estas não se plantam nascem pelos matos muitas; está fruta depois de madura é muito amarela (…) chamam-lhes cajus, têm muito sumo (…) o caroço assado é muito mais gostoso que amêndoa (…)”

(Pedro de Magalhães Gandavo, 1576)

Sem dúvida, abacaxi & caju emblematizam o Brasil, como outras regiões desse lado do mundo, e pode-se, ainda, aliar a essa lista de tipicidade a tão celebrada banana. Yes! Temos banana. Muitas, em tamanho, formato e, principalmente, gostos variados. As frutas tropicais trazem um frescor nativo, e trazem também o sentimento de fartura, de natureza, de corpo nu e desvendado.

Unem-se a esses imaginários do que é tropical as aves, especialmente papagaios, aves que estão sob os ombros dos índios, ou na plumária sofisticada de diferentes adornos corporais. Penas colocadas sobre a pele, com pigmentos vindos do jenipapo e urucum, esse tão presente à mesa do brasileiro como o tão popular colorau, para dar cor, sabor, e, principalmente, identidade a comida.

O nosso urucum também é encontrado na Índia tropical, e integra-se a tantas outras especiarias de cores e gostos próprios que trazem sempre o “lugar”, o território nas memórias dos paladares. Assim, as memórias dos paladares, as memórias visuais e as memórias sonoras juntas dão um sentimento holístico dominante quando se fala de comida.

Ainda sobre as imagens ideais de um trópico que descobre-se comendo, especialmente, no caso as frutas que compõem cenários de natureza exuberante, repleta de pássaros coloridos.

“ (…)os gaviões também são muito destros e forçosos: especialmente os pequenos (…) que remetem a uma perdiz, e a levam nas unhas para onde querem (…) Papagaios há nestas partes muitos de diversas castas e muitos formosos (…) são variados e de muitas cores (…)”

(Pedro de Magalhães Gandevo, 1576)

 

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Para o brasileiro _ o abacaxi _ fruta da família das bromeliáceas, rico em vitamina E, potássio, magnésio, cálcio e, principalmente, açúcar _ é fruta de se comer em casa, ou de garfo e faca nos restaurantes mais sensíveis aos sabores da terra.

Abacaxi in natura para ser comido olhando o mar. Abacaxi em compota, cristalizado, acompanhando assados ou mesmo com feijoada, como fruta de apoio, como informava Gilberto Freyre.
Abacaxi na batida, na caipirinha, e em tudo mais que leve: rum, vodca, pisco, ou a nossa tão estimada “branquinha”, a cachaça.

O caju junto com o abacaxi faz esse brasão do país tropical, ele é nativo da mata Atlântica, dá perto do mar e é bonito de se ver florido, repleto de cores, bom de comer-se também verde, o chamado maturí, como moqueca com dendê e temperos, uma delícia! Caju em passa, revelando ainda mais o doce da fruta; em compota; cristalizado; como vinho ou como cajuína; servindo como carne, sendo base para diferentes pratos salgados; como farofa da castanha assada e também especiaria para bolos como o pé-de-moleque, e para o doce de sangue de porco que é o “chouriço”, ambos desse Nordeste.

Frutas tropicais dessa terra, e de outras também tropicais, contudo, exóticas com a manga, o fruta-pão, a carambola, a graviola, a jaca, entre outras. Frutas do oriente, especialmente da Índia e da Indonésia, porém brasileiras por adoção, com amplo e extensivo cultivo e no uso à mesa.

Contudo, cada vez mais a mesa vem se tropicalizando por meio da adoção de frutas frescas, e frutas da época, no caso em especial o abacaxi e o caju, entre tantas. Vive-se, então, uma mesa de frutas multiculturais, da Europa, da África, da Ásia, da “terra”, muitas já abrasileiradas, tropicalmente brasileiras.

RAUL LODY